sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Kasparov fala sobre Chennai


O lendário Garry Kasparov assinou hoje uma matéria no Chessbase sobre o match Anand x Carlsen. Numa tradução livre do espanhol, de nossa autoria, veja o que disse o ex-campeão mundial e, para muitos, o maior gênio do xadrez de todos os tempos, acerca da batalha de Chennai, que começa neste sábado:




"Estou a ponto de viajar a Índia, onde primeiro vou falar na conferência THiNK, em Goa, antes de partir para Chennai, para visitar o esperado duelo pelo campeonato do mundo entre o defensor do título, Viswanathan Anand, jogando em sua cidade natal e o jovem norueguês e desafiante Magnus Carlsen.

Conheço muito bem ambos os jogadores, por razões distintas, e, claro, não posso deixar de acompanhar esse espetáculo. Anand iria ser um dos meus principais rivais durante o que se poderia chamar a segunda metade de minha carreira, se a divido entre a era Kaporv e pós-Karpov. Quando o grande Anatoly finalmente desacelerou, Anand foi um dos líderes da nova geração que me desafiava nos principais eventos, como Linares, junto com Ivanchuk e Kramnik, para nomear mais outros dois.

Anand não teve que esperar muito tempo, até que me desafiou em um duelo pelo campeonato do mundo em 1995. E todos sabiam que, apesar daquela derrota em Nova York, ele iria ser uma força importante durantes os próximos anos – ainda que eu duvide que sequer o próprio Vishy tivesse imaginado que seriam tantos. Os jovens tigres não pensam em décadas. Quando me retirei em 2005, eu recordei a Anand que agora ele iria ser o “velho” do circuito, vendo as caras de meninos como Carlsen, que nasceram na mesma década em que Vishy e eu nos enfrentamos no topo do World Trade Center.

Este é um dos mais esperados duelos da recente história e não é um insulto para com Anand, cujos méritos são indiscutíveis, que a maioria das expectativas circule ao redor do desafiante de 22 anos.

Magnus Carlsen tem subido ao topo dos melhores enxadristas quase sem parar, demonstrando uma consistência e tenacidade vistos raras vezes em um jogador jovem. Há muitos jovens que disputam partidas impressionantes; é a gana de ganhar de Carlsen, porém, que o coloca como um jogador à parte. Mesmo que eu não estivesse buscando trabalho como treinador, quando colaboramos com ele durante uma temporada em 2009, como eu poderia ter resistido?

Foi impossível não ver Magnus como certo tipo de "Harry Potter", um super talento destinado a ser um dos maiores e alguém que deixará uma marca profunda (de um raio?) no nosso jogo ancião. Carlsen chega ao duelo como óbvio favorito apesar de que sua experiência unicamente se baseie na superioridade de seu rendimento durante os últimos anos, comparado com Anand, que perdeu o apogeu em todos os aspectos que se podem observar. Nem tampouco se pode ignorar a história. Carlsen tem exatamente a metade de anos que Anand e a nova geração é difícil de vencer.

Porém, quando me perguntaram em Stanford domingo passado, se eu achava que o duelo ia ser moleza para Carlsen, minha resposta foi vigorosamente negativa. Carlsen é o favorito devido a seus resultados e à qualidade objetiva tem que importar, porém não será fácil e não é difícil imaginar um cenário no qual ele perde o duelo. Anand tem experiências muito profundas em todos os níveis, o que lhe proporciona vantagens práticas de preparação. A considerar também que está psicologicamente preparado. Segundo Anand, ele tem trabalhado muito duro para esse duelo, mais do que jamais visto em sua vida.

E mesmo que o Campeão do Mundo nunca tenha prestado muita atenção aos assuntos da história do xadrez ou seu legado, tem que saber que toda sua carreira ganhará uma nova e extraordinária dimensão, caso derrote o prodígio norueguês. Ademais, Anand está jogando "em casa" e mesmo que isso possa criar pressão negativa, também pode servir de fonte de motivação muito potente. [NT: aqui excluímos um pequeno trecho que nos pareceu ininteligível].

Algumas pessoas me disseram que eu deveria estar a favor do meu velho companheiro, o "também homem de idade", Anand, e não a favor do moço de 22 anos, que tomou meu recorde do Elo. Porém, mesmo que eu não possa dizer que tenha ficado contente com a superação de meu recorde, uma vitória de Carlsen seria de grande valor para o mundo do xadrez. Uma troca de guarda, sangue novo, uma cara fresca, todos esses clichês são clichês por alguma razão. Magnus é um jovem dinâmico, com gana de promover o esporte, de subir o perfil do jogo junto com o dele próprio e é alguém que sabe inspirar a nova geração de meninos enxadristas (e os patrocinadores de xadrez!) em todo o mundo.

Anand é um fantástico jogador de xadrez que honra o esporte e sua nação com suas habilidades e com sua imensa bondade. Se ganha este duelo, seu posto no Olimpo lhe estará assegurado. Eu prevejo a vitória de Carlsen, devido a seu talento, seus resultados e pelas fases da história do xadrez. Sou a favor da vitória de Carlsen porque uma nova geração se merece um novo campeão Porém, espero, sobretudo, que haja grandes partidas, muita luta e uma grande alavancagem para o xadrez em todo o mundo, dado que uma lenda e uma futura se enfrentam em uma batalha em Chennai."

(Garry Kasparov é o XIII campeão do mundo de xadrez e foi o número um do mundo durante 20 anos, até que se retirou do xadrez profissional em 2005.)

3 comentários:

  1. Fernando, continue nos brindando com esses excelentes e esclarecedores textos a respeito dos grandes eventos enxadrísticos... você certamente vem surpreendendo os leitores deste conceituado blog com matérias cada vez melhores, que servem, entre outras coisas, para revelar suas múltiplas habilidades, tendo em vista sua atuação como jogador, divulgador, organizador, árbitro, escritor e comentarista de xadrez. Parabéns.

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  2. Excelente entrevista Fernando, porém poderia ter ficado em espanhol mesmo. Seria uma oportunidade de treinar a linha irmã. Abs e parabéns.

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  3. O trecho suprimido pode ser traduzido como:
    "É muito mais difícil finalizar uma sessão de treinos quando você sabe que está sob o olhar de bilhões de indianos! E com uma preparação profunda há sempre a possibilidade de criar uma potente surpresa ou duas, em um match tão curto (apenas 12 partidas) um choque inicial pode mudar a balança da disputa."
    Abraços e parabéns pelo excelente trabalho!

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