1.e4
1.d4
O Salão Nobre do Clube Internacional do Recife estava apinhado de gente. Percebia-se a expectativa criada. Um frenesi contido. A imprensa registrava tudo daquele momento histórico para o xadrez pernambucano.
No centro do salão, formou-se um retângulo com 30 mesas. No seu interior, a imponente figura do Campeão Mundial Boris Spassky (1969/1972) se aproximava do meu tabuleiro.
1.e4
1.d4
Então, ele parou à minha frente, me cumprimentou, deu seu lance...
1.e4
… e seguiu o seu caminho, sempre revezando os lances iniciais. Eu tinha o tempo equivalente a 29 passos para decidir o que jogar.
Eu (primeiro à esquerda da foto, com a mão no rosto). Jarbas Belens, Diosman Marinho e Fernando Daher na sequência.
*******
Só por esse momento, já teria valido a pena ter participado da simultânea que ele deu em 1978. Era uma grande honra enfrentar aquela figura icônica do xadrez mundial. O resultado da partida era o que menos importava. Já era uma vitória estar ali.
Aliás, tive de passar por uma pequena odisseia para conseguir jogar. Primeiro, para conseguir uma vaga, pois o evento despertou grande interesse, inclusive de enxadristas de outros estados. Mas, como eu era um assíduo sócio do Clube de Xadrez do Recife, fui um dos primeiros a tomar conhecimento da simultânea. Busquei logo garantir a minha participação.
Com a presença assegurada, a questão então era levantar o dinheiro para pagar a inscrição. Note que tive de recorrer ao velho e bom fiado, pois o valor não cabia no orçamento da minha mesada. Teria de recorrer a meu pai, que , à essa altura, já andava preocupado com minha exagerada dedicação ao xadrez. Não lembro dos argumentos que utilizei, mas, como visto, foram convincentes.
*******
Voltemos ao jogo.
Naquela época, eu era aficionado da Defesa Francesa, mas decidi jogar a Pirc, com a qual não tinha familiaridade. Não me recordo qual foi o motivo. Se foi uma decisão de momento, se fiz alguma preparação específica para o evento ou, de repente, vai ver, eu quis “surpreender” Boris Spassky...
Ops! Peço vênia, meu sisudo leitor. Não leve muito à sério essa última hipótese.
O jogo enveredou pela nada surpreendente variante Clássica da Pirc. Lá pelas tantas, Spassky jogou “d5”. Então, cuidei em providenciar o temático “f5”. Ocorreu uma liquidação de peças menores, restando no tabuleiro as damas e as torres, além de um bispo para cada.
Foi quando percebi uma manobra interessante. Mas é melhor você conferir a partida. Ela é curtinha.
*******
Boris Spassky x Marcello Urquiza
Recife (PE) – 29/11/1978
1.e4 d6 2.d4 Cf6 3.Cc3 g6 4.Cf3 Bg7 5.Be2 0-0 6.0-0 Bg4 7.h3 Bf3 8.Bf3 e5 9.Be3 Cc6 10.d5 Ce7 11.g3 Cd7 12.Bg2 f5 13.Dd2 Cf6 14.exf5 Cf5 15.Ce4 Ce4 16.Be4 Ce3 17.De3 Dd2
Início de uma pequena manobra que, julguei, melhoraria a posição da dama. Ataque ao peão “h” para ganhar tempo.
Skassky respondeu “en passant”...
18.Rg2 Db5
Segundo passo da manobra. Outro ataque. Na verdade, um pseudoataque. Eu não estava interessado naquele peão.
Novamente, Spassky mal parou à minha frente. Respondeu rapidamente, protegendo o peão de “b”, e seguiu caminho...
19.b3 Db6
Fim da singela manobra. Entendi que a pressão exercida sobre o ponto “f2” praticamente obrigaria a troca das damas.
Dessa vez, ele estancou. Fez uma expressão de surpresa, pôs as mãos sobre a mesa, olhou para onde minha dama estava apontando, esboçou um leve sorriso e então...
“ - Tablas?”
Você conhece um super-herói chamado “The Flash”? Aquele que possui “supervelocidade”? Pois bem. Eu acho que o incorporei, tal foi a rapidez com que estiquei meu braço para cumprimentar o campeão!
20.Empate.
Posição final da partida. Dr. Fritz disse que as brancas não necessitavam trocar as damas e que, ademais, estavam com o jogo um pouco melhor. Mas eu não me importo com a opinião dele. A que vale é a de Spassky.
*******
“ - Ele vai voltar para assinar a súmula. Tire a fotografia no momento que nos cumprimentarmos. Preste atenção!”
Não verbalizei essa fala aí, não! Tinha de respeitar o silêncio. Só estou tentando traduzir a discreta gesticulação que fiz para um amigo. É que eu tinha comprado uma máquina fotográfica descartável da Kodak – naquele tempo tinha dessas coisas, viu? - e pedi para ele tirar as fotos.
E ele o fez. Eu tenho a fotografia do momento do aperto de mão, mas 27 anos é muito tempo. Esse foi o período em que estive afastado do xadrez. Ela deve estar em algum recôndito insuspeito aqui em casa.
*******
No dia seguinte, o Diário de Pernambuco estampou a notícia: “Paraibano venceu Spassky na grande noite do xadrez”.
Foi Expedito Medeiros, de Campina Grande, que venceu sua partida de forma brilhante. Mas meu nome também estava relacionado na matéria. Então, quando o jornal chegou lá em Bom Conselho, foi aquela repercussão. Um filho da terra tinha empatado com um campeão mundial de xadrez!
… e foi assim que ganhei os meus 15 minutos de fama.
*******
Resultado final da simultânea:
21 vitórias
08 empates
01 derrota.