sexta-feira, 26 de junho de 2020

O Voo do Capivara – “Esse não, Mr. Benko!”

Em 1977, o GM Paul Benko esteve no Brasil para dar uma série de simultâneas. Conta-se que, numa delas, o promotor do evento se dirigiu ao Grande Mestre e, apontando para um garoto de uns 15 anos de idade, disse categoricamente: “ - Você vai ganhar de todos, menos desse aqui!”. 

Dito e feito. Quando restou apenas uma partida, Benko pediu um relógio, colocou dez minutos para cada e, “tête-à-tête”, continuou o jogo. O menino colocou pressão, mas, inferior no tempo, optou por empatar por repetição de jogadas.

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Essa é uma história verídica. A simultânea foi jogada em João Pessoa (PB). Fernando Melo foi o seu promotor e o garoto era Francisco Cavalcanti, que viria a se tornar um destacado Mestre Fide. Melo a conta, sempre que tem oportunidade.

O menino Francisco Cavalcanti e o GM Paul Benko

Chiquinho, como é carinhosamente chamado por seus conterrâneos, possui um currículo respeitável. Tem seis títulos de campeão paraibano, já beliscou um título pernambucano absoluto, em 2011, e venceu vários torneios do circuito de abertos do Brasil. Em 1988, venceu a semifinal do Campeonato Brasileiro, em Goiânia (GO). O título de Mestre Fide foi conquistado em 2003, no Open Internacional de Nice, na França. 

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Foi colaborador do boletim “XADREZ NOTÍCIAS”, cujo editor era, sempre ele, Fernando Melo. Êh, Mestre Fernando, o xadrez brasileiro lhe tem uma dívida de gratidão! 

Na edição de agosto/1990, Mestre Chiquinho publicou um artigo, no qual comentou uma partida que jogou contra o Mestre Internacional Alexandru Segal, pela Semifinal do Brasileiro de 1989, em João Pessoa. 

Reproduzo a matéria logo abaixo. Vale a pena conferi-la. As notas foram incluídas por mim, baseadas em observações do Dr. Fritz. 

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QUESTÃO DE TÉCNICA

Um dos dilemas mais difíceis para o principiante é a diferença entre tática e estratégia, e a sua valorização.

Quem supera quem? Quando o Xadrez começou a expandir-se pelo mundo, os admiradores deste batizaram essa época de “Era Romântica”, pela facilidade de fazer combinações táticas com entrega de material. 

Os princípios estratégicos de posição quase não existiam para o enxadrista da época. Ficava difícil aprofundar-se nestes princípios, pois valorizava-se a tática como um todo. Só depois que William Steinitz proclamou-se campeão mundial, com grande contribuição teórica de sua parte, o Xadrez deu um salto importante para a evolução estratégica. 

Nos dias de hoje, onde os modernos meios de comunicação são fatores que contribuem em máxima para o progresso dos enxadristas, facilitando aos dedicados, através destes meios, a aprofundar-se nos princípios clássicos do Xadrez. 

Atualmente, uma partida bem jogada baseia-se nesses dois dilemas funcionando em harmonia conjunta, podendo-se afirmar que, sem estratégia, não há tática vencedora. Lance por lance, desde seu início, a partida apresenta vários detalhes táticos, porém esses detalhes aparecem por trás de um vasto conhecimento teórico e estratégico.

A teoria mede o conhecimento de aberturas, estudo de posições, meio jogo e final. Já a estratégia trabalha nos conceitos fundamentais, como conformação de peões, posicionamento das figuras, valorização dos materiais e estudos geométricos, etc.

Para surgir um arremate tático romântico, é preciso passar por todos esses conhecimentos, pois sempre estes arremates aparecem facilmente com um trabalho de posição bem realizado em seus devidos fins. 
Em 1989, na semifinal do Campeonato Brasileiro Absoluto realizado aqui em João Pessoa, joguei uma partida frente ao MI Alexandru Segal com estes temas citados.

Vejamos a partida comentada:

F. CAVACALCANTI - A. SEGAL 
Semifinal do Brasileiro
Hotel Tambaú – João Pessoa – 1989
Defesa Índia Antiga

1.d4 Cf6 2.c4 c5 3.d5 e5 4.Cc3 d6 5.e4 Be7 6.Cf3 0-0 7.Be2 Cbd7 8.0-0 a6 9.a3 Ce8 10.Ce1 g6 11.Cd3 Cg7 12.b4 b6 13.a4 f5 14.a5 bxa5 15.bxc5 dxc5

Com o debilitamento do esqueleto de peões negros e a pequena vantagem de espaço, as brancas têm o domínio estratégico.

Nota – A debilidade da estrutura de peões negros teve uma causa bem definida: o lance 13.... f5, que permitiu o avanço do peão “a”. Teria sido melhor ter consolidado a ala da dama, jogando 13.... a5. Claro que isso implicaria em fazer concessões, como a debilidade de “b5”, mas os danos seriam menores.

16.Da4 Cb6 17.Da5 Cc4 18.Da2!? Cd6 19.Ce5 

Apesar de não ter cometido erro grave, as pretas encontram-se numa situação difícil, à causa do ponto c6, que está fraco. Se 19.... Bb7 20.Cc4!, permanecendo as debilidades.

19.... fxe4

Se 19.... Bf6 20.Cc6 De8 21.e5! Be5 22.Ce5 De5 23.Ca4, com clara vantagem branca.

20.Cc6 De8 21.Ca4!

Com esse lance, as brancas dão sequência ao plano, ganhando qualidade. Porém, as pretas têm contrajogo na ala do rei.

21.... Bf6 22.Tb1 Cb5! 23.Bb2 Cd4 24.Bd4 cxd4 25.Cb6 Bf5 26.Ca8 Da8 27.Bc4!? h5 28.Tbd1 d3 29.f3!

Aqui poderia jogar 29.Da6, porém eu esperava mais desta posição.

29.... exf3 30.gxf3 Bh3 31.Tfe1

A partida agora caminha para tática aguda, onde os temas estratégicos favorecem ao branco pela vantagem material e colocação das figuras.

31.... Db7 32.Tb1 Dd7 33.Bd3 Dd6 34.Dc4! Bg5 35.Tb7!!

A jogada mais profunda, pois qualifica a superioridade, alinhava a melhor colocação das figuras, onde origina-se as sequências táticas. Tentar defender o peão de f com 35.Be4, além de permitir a fraqueza do ponto f4, bloqueia a coluna “e”.

Nota – As duas exclamações atribuídas pelo autor, refletem o seu entusiasmo com a posição. Também já passei por esse dilema: ganhar simples ou ganhar bonito? Saliente-se que as brancas conduziram o jogo de forma exemplar, mantendo uma consistente vantagem até esse momento. Com 35.Tb6 Rh7 36.Ta6, teriam obtido uma vitória tranquila. Com o lance jogado, a posição tende a ficar equilibrada. 

35.... Tf3

As pretas são forçadas a procurar contra-ataque, que parece bem idealizado com a aproximação das suas forças sobre o rei branco.

36.Ce7+

Aqui está a questão: se 36.... Rh7 37.Cg6 Tg3+ 38.Rf2 Tg2+ 39.Rf3 Df6+ (se 39.... Dh2 40.Cf4+ Rg8 única  41.Tb8+ Rf7  42.Dc7+ Rf6  43.Tf8 mate. Ou  39.... Th2  40.Ce5+ Rg8  41.Rg3! Decide)  40.Cf4+ Rh6 única 41.Te6! Be6 42.Rg2 Bf4 (42... Bg4 43.h3!) 43.dxe6 Dg5 44.Rf1 Be3 45.Re2 Dg1 46.Dh4 Bg5 única 47.Dg3 Dc1 48.h4! Dd2+ 49.Rf1 Dd1+ 50.Rg2 e Rh3 decide.


Nota - Essa é a posição crítica da partida. As brancas, ainda acreditando possuir vantagem, partem para a definição do jogo, usando as “rotas tormentosas” das linhas táticas. Cuidado! Muito cuidado. Tenho avisado. Esses são mares traiçoeiros. 

Mestre Chiquinho tomou sua decisão com base nessa extensa análise. Mas ela tem um furo. As brancas levariam mate! A título de exercício, dê mais uma olhada nela, e tente achar em que momento isso aconteceria. Só não vale consultar Dr. Fritz, ok?

Já apurado no tempo, o MI Segal não percebeu.

36.... Be7 37.T1e7 Tg3+ 38.Rf2 Df6+

Se 38.... Tg2+ 39.Re3 e o preto já pode abandonar.

39.Rg3 h4 40.Dh4 Ch5+

A última rasteira, pois se 41.Rh3?? Df3+ 42.Dg3 Cf4+ 43.Rh4 Dh5 mate.

41.Dh5 e a bandeira negra sumiu.

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Conseguiu achar o furo? 

Olhe o diagrama mais uma vez e acompanhe a seguinte linha: 36.... Rh7 37.Cg6 Tg3+ 38.Rf2 Tg2+ 39.Rf3. O autor considerou as opções de 39.... Df6+, 39.... Dh2 e 39.... Th2. Porém, tem outra alternativa. Qual? 

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Enquanto você pensa, é necessário fazer um esclarecimento, pois alguém pode estar se perguntando: por que uma coluna chamada de “O Voo do Capivara” publica um texto falando sobre um Mestre Fide? Veja bem, diligente leitor, esse é um espaço democrático. Onde cabe um capivara, haverá sempre de caber um mestre.

Aliás, o único capivara, que bate o ponto aqui, sou eu. Pronto, falei!

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Segue a solução:
39.... Tf2+!, pois se 40.Rf2 Dh2+, seguindo de Dg2 mate. Se 40.Re4, as pretas teriam 40.... Tf4+ ou 40.... Df6, com mate inevitável.

quarta-feira, 24 de junho de 2020

PARAÍBA CAMPEÃ!!

Numa virada espetacular, nos últimos segundos, a Paraíba venceu a última etapa do Nordestão Por Equipes, sagrando-se campeã da competição.

A equipe manteve um desempenho constante durante todo o evento, vencendo três etapas e conquistando um segundo lugar. Isso se deveu à sua homogeneidade, já que ela não ficou dependente de um pequeno número de jogadores. A força estava no conjunto.



Assim, no dia de São João, quem fez a festa foi a Paraíba.

Parabéns a todos!

Confira o quadro geral de classificação abaixo.

Nota - A equipe cearense sofreu uma punição e, por isso, perdeu o segundo lugar para Pernambuco. Quadro atualizado.

sexta-feira, 19 de junho de 2020

Campeonato Paraibano de Blitz On-Line - Regulamento

*CAMPEONATO PARAIBANO DE BLITZ  - ON-LINE *
APOIO:  Federação Paraibana de Xadrez.
/
🎟️ Participação Exclusiva:  Paraibanos de nascimento, residência ou UF CBX.
/
📱 Plataforma: Lichess
/
🛎️ Inscrições: entrar no TEAM:     https://lichess.org/team/paraibanos-nativos-para-batalhas    E DEIXAR REGISTRADO NO PERFIL DO LICHES NOME COMPLETO E CIDADE
/
E EM SEGUIDA ENTRAR NOS LINKS DO TORNEIO:
01/07/2020 21:00hrs link em breve
08/07/2020 21:00hrs link em breve
15/07/2020 21:00hrs link em breve
22/07/2020 21:00hrs link em breve
👥 Limite de Jogadores: aberto
/
🎲 Rodadas: 4 etapas - +- 11 rounds
/
⏳ Ritmo: 3'+2"
/
🏆 Premiação:
Aguardando algum patrocinador para premiar os 3 primeiros colocados.
Dependo dos patrocínios aumentaram a faixa de premiados.
/
🛎️ Nick: Não é permitido alterar o Nick durante a competição.
/
📡 Conexão: A situação de queda de conexão (independente da justificativa) dará vitória ao jogador que se manteve conectado até o fim do tempo, em caso de saída de ambos a partida se dará por empate, em caso de um jogador ainda estiver na mesa, deverá aguardar o tempo acabar;
/
📵 Engines:
Jogadores que forem flagrados utilizando engine para prevalecerem sobre as partidas da competição, serão expulsos do torneio e impedidos de participarem em outras edições. Se a plataforma Lichess acusar no perfil do jogador que ele faz uso de computador, o jogador será excluído do torneio e os pontos devolvidos a todos seus adversários, em todas as rodadas já jogadas.
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⚖️ Critérios de Desempate:  Automática no Lichess nas etapas e colocação final decidida pela somatória da pontuação individual de cada etapa.
Empate após somatória dos totais de pontos nas etapas será resolvido por match de 2 partidas e se persisitir o empate mais 1 partidas subsequente até definir o desempate.
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🌐 Casos Omissos: Serão resolvidos pela comissão do evento
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🅰️ Arbitragem por Evandro / Lichess

quinta-feira, 18 de junho de 2020

Nordestão Por Equipes - Paraíba mantém a liderança

A Paraíba venceu mais uma etapa do Nordestão Por Equipes. Os jogos foram realizados nesta quarta-feira.

Com esse resultado, o estado consolidou sua liderança, abrindo uma diferença de 84 pontos em relação ao segundo lugar, que é o estado de Pernambuco.

A última etapa será jogada na próxima quarta. 

Confira o quadro abaixo.


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O Clube de Xadrez de Campina Grande, com o aval da Federação Paraibana de Xadrez, organizará o Campeonato Paraibano de Xadrez Blitz On-line.

Mais informações em breve.

quinta-feira, 11 de junho de 2020

Nordestão Por Equipes – Paraíba na Liderança!

Por Marcello Urquiza

Está em andamento o Nordestão Por Equipes – Temporada 01.

Já foram jogadas duas etapas, das quais o estado da Paraíba ganhou a primeira e terminou em segundo lugar na seguinte, apenas um ponto atrás do estado campeão, o Ceará.

Como, para  a apuração da classificação geral, computa-se os pontos acumulados, a Paraíba vem liderando a competição, seguida por Pernambuco e pelo Ceará. Confira no quadro abaixo.

Os jogos estão sendo realizados na plataforma Lichess, todas as quartas-feiras, a partir das 21:10.


O Voo do Capivara – Por Mares Revoltosos

Por Marcello Urquiza

MN Joaquim de Deus Filho x MF Carlos Martins
Nosso convidado é um assíduo participante de torneios pelo país afora, alguns até com um toque de aventura radical. Pois é, outro dia vi seu nome relacionado para jogar um lá alto do Monte Roraima!

Também é um cronista de talento e o autor de divertidos bordões, tais como: “a lagoa está cheia”, “capivara sofre, mas se diverte”, “fé em Caíssa e peão pra frente” e “leve o pontinho do Joca”. Opa! Entreguei o caboclo. Mas, é isso mesmo. Estou falando do MN Joaquim de Deus Filho.

A partida que ele nos apresenta, foi jogada contra o MF Carlos Martins, então campeão paranaense, .pela 7ª rodada do Aberto do Brasil de Xadrez Cidade de Maringá, de 2014. Um jogo agudo, tenso, com muitas reviravoltas e um arremate belíssimo, que teve direito, inclusive, a sacrifício de dama!

Pense nela como uma regata em mar revolto. Os veleiros tiveram de enfrentar ventos fortes, vagalhões, raios e trovões.  Os comandantes conduziram suas naus com bravura, enfrentando a descomunal força da natureza, numa disputa eletrizante e cheia de perigos. Parece um “trailer” de filme de pirata, não é? Teve até rima incidental! Porém, foi bem assim o que aconteceu.

Joca relatou que, no dia anterior ao do encontro, ocorreu um problema no alojamento onde os convidados estavam hospedados. Os organizadores tiveram de alocar o pessoal em outro, mas sem as mesmas condições de conforto. “Fazia um calor do Recife!”, disse ele. Por isso, dormiram mal. Aí, suponho, acordaram muito irritados e devem ter pensado: “hoje eu arranco a pele do meu adversário”. 

Confira.

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Joaquim de Deus Filho  x  MF Carlos Martins
Maringá (PR) – 23/08/2014

1.e4  c5  2.Cc3  a6  3.a4  Cc6  4.g3  g6  5.Bg2  Bg7  6.d3  e6  7.Be3  d6  8.Dd2  Cd4  9.Cd1  Ce7  10.Ta3  0-0  11.c3  Cdc6  12.Bh6  Bh6  13.Dh6  Ce5  14.d4 

As brancas tinham a opção de 14.Cf3  Cf3+  15.Bf3  e5  16.h4  f6  17.Ce3, com chances iguais.  Porém, preferiram um jogo mais agudo, atrasando o próprio  desenvolvimento e mantendo o rei no centro. Buscavam um imediato ataque ao rei do adversário, e tinham, para isso, algumas rotas à sua disposição. Por exemplo: g4 e Th3; Cf3/Ch3 e Cg5; ou h4, seguido de h5. Em compensação, abandonaram a ala da dama à própria sorte.

Esse é o tipo de posição onde as sutilezas posicionais são deixadas em segundo plano.  Dr. Fritz avaliou que o jogo, ainda assim,  estava equilibrado. Um equilíbrio bem frágil, você não acha?

14....  cxd4  15.cxd4  Da5+  16.Rf1  Cc4  17.Td3 

Na sua opinião, qual das seguintes dimensões tem maior relevância nessa posição? Material, tempo ou qualidade?  Se você entender que o tempo é o fator mais importante, então vai concordar que 17.Tc3 era uma alternativa à 17.Td3. Exemplo: 17.Tc3  Cb2  18.g4  f5  19.Cf3  Cd1  20.Cg5  Tf7  21.Cf7  Rf7. Não vou me atrever a continuar as análises, tal é a sua complexidade, mas, parafraseando Shirov, o tabuleiro iria pegar fogo!

17....  f5 

Com várias ameaças pairando sobre seu rei, as pretas optaram por um lance profilático, visando à proteção de h7. A alternativa era 17....  d5  18.h4  dxe4  19.Be4  Cf5  20.Dc1.

18.Ch3 

18.h4  fxe4  19.Be4  Dc7  20.h5  Cf5  21.Dg5  De7, teria sido um pouco melhor, segundo Dr. Fritz.

18....  Tf7  19.b3  fxe4  20.Be4  d5  21.Bg6 

Aviso aos marujos que queiram navegar pelos mares revoltosos das linhas táticas: tenham cuidado com as lufadas de vento, pois elas podem fazer adernar o seu veleiro.

As brancas contavam com a recuperação da peça, tomando o cavalo em c4.

21....  hxg6  22.bxc4  dxc4  23.Te3  Th7 

23....  Dd5, eis a lufada de vento! 24.Rg1  Th7  25.Dg5  Dd4  26.Cc3  e5, ganhando o cavalo. Essa ventania tem o nome de “lance intermediário”.

Mas, com a proteção de Netuno, que atendeu a um pedido de Caissa, o veleiro branco continuou na regata.

24.Dg5  e5   25.g4  Da4   26.Cc3  Dc2  27.Rg2  b5 

O mar continuava muito agitado! As lufadas de vento e as grandes ondas sacodiam violentamente as duas embarcações. Elas poderiam virar a qualquer momento. O mínimo erro na condução, e o desastre aconteceria. Mas as chances ainda estavam ainda igualadas, conforme Dr. Fritz.

As pretas também poderiam ter jogado 27....  Bd7 28.De5  Tf8  29.Ce4  Bc6, também com chances iguais.

28.De5  Bg4  29.Ce4  Tf8  30.Chg5 

Já imaginou jogar uma posição dessas e, ainda mais, sob o apuro de tempo? Ambos os jogadores estavam por um fio. Numa situação assim, os erros tendem a ser inevitáveis.

30....  Tg7 

Havia uma rota que poderia ter levado os valeiros a um porto seguro. Com 30....  Cf5  31.Dd5+  Rh8  32.De5+  Rg8, ou 30.... Cf5  31.Tc3  Ch4+  32.Rg3  Cf5+, com  empate por repetição de jogadas, em ambos os casos.

31.Ta1  

Coluna errada. Com 31.The1, ameaçando Cf6+, as brancas obteriam uma posição ganhadora. Exemplo: 31....   Rh8  32.Tg3  Bc8  33.d5  Bf5  34.Cf6, e o rei preto estaria completamente cercado.

31....  Cf5  32.Tea3 

A posição das brancas era tão vigorosa, que 32.Tae1 ainda serviria. 32.Tae1 Ce3+ 33.Te3 Rh8  34.Cf7+  Tff7  35.De8+  Rh7  36.Cg5+  Rh6  37.Cf7+, com vantagem decisiva.

32....  b4 

Deixando escapar 32....  Te7, que   provocaria mais uma reviravolta!  33.Dd5+  Rg7   34.Rg1  Ch4   35.Ta6  Cf3+    36.Cf3  De4  37.De4  Te4, com vantagem para as pretas. Mas, como diria aquele personagem de novela, “o tempo ruge e a sapucaia é grande”. Com a seta caindo, pensar muito era um luxo inacessível.

A invasão que se seguiu foi decisiva para as brancas.

33.Ta6  De2  34.Cf6+  Rh8  35.Ta8  Tgg8 

Os veleiros ameaçaram adernar várias vezes. Até que, não conseguindo manter o equilíbrio frente ao oceano em fúria, o veleiro preto tombou.

Confira só essa belezura de arremate, e me diga: é ou não é o sonho de consumo de qualquer jogador? Posso lhe assegurar que, pelo menos, é o meu.



36.Cf7+  Rg7  37.Ch5+  Rh7  38.Dg7+  Cg7   As pretas abandonaram sem esperar resposta.

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Feliz com a sua produção, Mestre Joca a batizou de “A Imortal de Maringá”. Merecido.

sábado, 6 de junho de 2020

O Vazio do Xadrez Virtual


Por José Mário Espínola

Zé Mário, Alejandro e Dutra.
As minhas tardes de sábado costumam proporcionar um prazer juvenil: jogar xadrez! Mas o termo é insuficiente para revelar a riqueza que a atividade lúdica encerra.

Embora egresso de uma família de enxadristas (Papai e meus irmãos jogavam xadrez), só me dediquei ao jogo a partir dos 14 anos, quando numa noite de novembro de 1964 eu estava estudando com Fernando Furtado Filho para a prova de história, que seria dia seguinte no Colégio Pio X.

Lá para tantas chegou Paulo Germano, futuro médico então, trazendo um jogo de peças e um tabuleiro. Ele nos ensinou as regras básicas, o movimento de cada peça, e foi dormir, deixando o jogo ao nosso alcance. Pra que fez isso!

Eu e Nino passamos o resto da noite, madrugada adentro, jogando xadrez. Manhã seguinte não deu outra coisa: ficamos os dois em 2ª época em história.

Desde então nunca mais deixei de jogar. Não com a frequência que eu gostaria, pois tenho família e profissão para dar atenção. Embora eu jogue muito, não passo de um capivara, que é o jogador de xadrez mais iniciante, diferente de um Mestre-FIDE (MF), ou um Grande-Mestre (GM).

Passamos a jogar só às tardes dos sábados, ora em casa, ora no restaurante Tábua de Carne, que nos acolheu. Turma boa: eu, Petrov Baltar, Edson Loureiro, Umbelino, Kleber Maux, Dutra, Anchietinha, Genivaldo e uma figura da qual sinto muita falta: o médico José Severino Magalhães, um mestre na arte de jogar xadrez, e na música. Mas era tudo muito irregular, e o restaurante, embora nos acolhesse bem, não era ambiente próprio para jogar xadrez.

Foi quando uma tarde o urologista Anchieta Antas Filho me levou para conhecer o Clube Miramar de Xadrez. Aí me realizei!

O Clube Miramar é um ambiente exclusivo para se praticar a Arte de Caissa, que é como Fernando Melo chama o xadrez. O seu presidente é o MF Chiquinho Cavalcanti. MF é nada mais, nada menos que Mestre Fide! É uma graduação honrosa concedida (conquistada!) pela Federação Internacional de Xadrez, a FIDE.   

O clube também é uma escola de xadrez, para alunos de todas as idades. Contém 20 tabuleiros, com seus respectivos jogos de peças e relógios. Além de um tabuleiro-mural, para dar aulas e fazer análises.

Está sempre revelando um futuro mestre. Mas o melhor aluno do prof. Cavalcanti, não resta dúvida, é o jovem Mestre Tomaz, que já está brilhando nos tabuleiros do Brasil afora.

Depois que passei a frequentar, as tardes dos sábados passaram a ter um novo sentido para mim. Lá eu me esbaldo. Todos os sábados temos torneios, sendo que uma vez por mês é valendo título, premiação.

Quem está fora do xadrez tem uma imagem diferente, um pouco rigorosa, pois só tem conhecimento dos campeonatos mundiais, onde o silêncio é sepulcral, rostos fechados, feições rígidas. Ninguém se diverte.

No Clube de Xadrez Miramar é outra coisa. Fiquei fascinado. Lá o xadrez tem vida! Lá se brinca, se diverte. Mexo com os amigos adversários, jogando a dama para o ar só para deixá-los nervosos. Eu me divirto muuuuito!  Só a oportunidade de ouvir Petrov com as suas frases engraçadas (“safado velho!”, por exemplo), quando está vencendo, é impagável.

Ninguém consegue deixar de achar graça com a choradeira de Jorge porquê não foi premiado, nem com a cara de Valdemiza quando toma uma dama do adversário, uns brincando com os outros...!

Nas tardes de sábados é possível encontrarmos a bela Rebeca, quando consegue conciliar as rondas com as tardes de folga no Clube de Xadrez, jogando “um bolão”, sendo páreo duro para qualquer enxadrista.

A presença do psicanalista chileno Dom Alejandro Telehoff jogando com Genivaldo dá um ar de sofisticação internacional ao Clube. A doçura constante de Targino, o único enxadrista que consegue perder uma partida sem ficar magoado com o adversário, é comovente.

Os mestres Eny Nóbrega e Alexandre César conferem um ar de legalidade aos torneios que acontecem. E a presença do MF Luismar Brito atesta o nível elevado que é o Clube Miramar de Xadrez.

Antes dos torneios podemos quebrar a cabeça tentando solucionar os problemas que Déo Souza sempre tem no bolso. Genildo é um dos primeiros a encontrar a solução.

Todos os sábados observamos a agilidade de Manassés e Fabiano organizando os torneios, com a assessoria de Túlio.

Lá não tem tempo ruim, não tem mal humor. O ambiente é o melhor possível. As figuras estão sempre alegres. Até Eudes Carioca, quando perde uma partida (e ele tem horror a perder!) não fica zangado.

Tudo isso entremeado por deliciosos bolos e outras guloseimas proporcionadas por Lili, dublê de intelectual e dona de casa. Um cafezinho delicioso, saindo de uma cafeteira asmática, gorgolejante. Um suco de limão que faz inveja aos limões sicilianos.

Aí chegou a pandemia... E para jogar xadrez tenho que recorrer ao computador. Jogo em grupos, torneios simultâneos, ao vivo (on láine). Cá estou eu, sozinho, num isolamento de luxo, aqui no gabinete, jogando com adversários sem ver a cara, sem poder bulir com um ou com outro. Portanto, não vejo a hora de que termine esse isolamento cruel.

Pois quando acabar poderei voltar ao Clube Miramar de Xadrez, onde a alegria é pura. Não tem dinheiro que pague!

VIVA O XADREZ AO VIVO (no bom sentido, é claro)!


Nota -  Texto originalmente publicado no blog Ambiente de Leitura (www.carlosromero.com.br).