Por Rewbenio Frota
Era final de tarde, a luz do dia decantava-se
pouco a pouco no horizonte; também para o sol, a jornada de trabalho chegava ao
fim. Dirigi-me a um café, onde por muitos anos cultivo o hábito de observar os
últimos momentos de claridade ouvindo conversa distantes ou perdido em
pensamentos, enquanto sorvia lentamente um expresso sem açúcar.
Um coro de vozes exaltadas ao fundo chamou-me
a atenção. Guiados pelo som, meus olhos correram até uma mesa de canto onde
havia mais garotos que cadeiras. “São estudantes”, pensei entre um gole e
outro.
– Eu garanto que é assim: o peão que chega ao
final do tabuleiro só pode ser trocado por uma rainha.
– Que rainha!? É dama, seu energúmeno!
Os risos e brincadeiras por um momento suspenderam
o embate, até outro rapazote colocar mais lenha na fogueira:
– O peão pode ser trocado por qualquer peça,
isso é óbvio, já vi meu avô fazendo isso. Mas ele me disse que vai
depender… se, ao final, o peão alcança
uma casa onde começa um cavalo, ele é trocado por cavalo, onde começou um
bispo, é trocado por um bispo, e assim por diante.
– Que absurdo! E se for na casa onde começa o
rei?
– Ah, aí como não pode pedir outro rei, ele é
trocado pela dama.
– Pelo que sei só podemos trocar o peão por
uma peça que já tenha sido perdida pro adversário. Senão o peão nem pode ser
avançado, tem que esperar na sétima fila até que a peça desejada suma do
tabuleiro.
Outro menino levantou a voz em tom mais alto
que os demais para poder ser ouvido.
– Nada disso, o peão pode ser avançado sim,
mesmo que ainda não possa ser trocado por outra peça. Mas ele fica lá, imune.
Não pode ser capturado.
– Não faz sentido! Um peão parado lá no fim do
tabuleiro, sem poder mais se mover, sem poder capturar outras peças, não pode nem
dar xeque!? Não serviria para nada. O que realmente acontece é que o peão ganha
o direito de ser trocado por outra peça quando chega ao final do tabuleiro, mas
a troca só pode ser realizada quando ele retorna até a segunda fileira, de onde
partiu no começo da partida!
Por um átimo os demais se entreolharam
calados, surpresos com aquela nova possibilidade, mas logo gritaram em
uníssono:
– O quê????
– Calma, eu explico. Quando o peão chega na
última casa, além de ganhar o direito de ser promovido, ele também passa a
poder andar para trás, pulando duas casas por jogada, assim em três lances ele
retorna para a segunda fileira do tabuleiro e só aí pode ser trocado pela peça
escolhida.
Aqueles jovens falavam de um jogo do qual eu
não lembrava há muitos anos. Também na minha juventude eu participara de
discussões apaixonadas como aquela: sobre tomadas en passant, roques,
afogamento do rei etc. Eram conjecturas de meninos que aprendiam o jogo às
pressas, sem ler regras aprofundadas ou manuais, mas que tinham a curiosidade
aguçada pelas situações práticas que enfrentavam em suas partidas
experimentais. Sem saber, os principiantes refazem, nessas discussões,
diferentes variações que realmente ocorreram no jogo ao longo dos séculos, em
sua evolução até o formato atual.
Ainda ouvia as vozes acaloradas ao fundo, mas
já eram como as vozes de meus amigos de rua e de escola, como se eu voltasse a
ser um aprendiz dos primeiros encantos do xadrez. Nem percebi o pôr do sol, e o
meu café também já tinha acabado. Por impulso, olhei o fundo da xícara, e não
me surpreendi ao notar que a borra havia formado a indistinta silhueta de um
cavalo. Paguei a conta e dirigi-me à saída. Porém, a dois passos da porta,
resolvi voltar e dar minha contribuição à acalorada disputa.
Os garotos se calaram, desconfiados de minha
repentina aproximação. Mas, como quem dá um xeque a descoberto, não dei tempo
para perguntas:
– Quando eu jogava, sempre escolhia trocar
meus peões que chegavam ao final por um cavalo.
Sabem por quê?
Seus olhares curiosos foram a resposta que
queria:
– É que naquele tempo, se você promovesse o
peão a cavalo, imediatamente podia fazer uma jogada com ele!
Não esperei pelas reações. Virei-me e sai
rapidamente, certo de que aqueles meninos logo consultariam algum manual e
descobririam que um peão que chega ao final do tabuleiro pode ser trocado por
qualquer peça (exceto o rei), não importa quais peças ainda estejam no
tabuleiro.
No percurso até minha casa, um tanto
nostálgico, pensei sobre a fortuita metáfora que podia ser feita com base nas
cenas e conversas que acabara de presenciar: aqueles garotos eram como peões
que seguiam seus primeiros passos nos caminhos da vida.
Quanto a mim? Bem, no momento estou no final do tabuleiro,
imune e quieto, esperando a chance de dar alguns passos para trás… até a casa
inicial, para receber minha merecida promoção.