No
final de 1966 Fischer conquistou o título de Campeão dos EUA pela oitava e última vez [grifo do RC]. Nessa ocasião ele passou pelo torneio sem qualquer
tropeço (+9=3), vencendo também contra Reshevsky.
Em
março de 1967 Bobby apareceu na Europa pela primeira vez em cinco anos. O Comitê
Organizador de Monte Carlo, encabeçado pelo Príncipe Rainier, contatou a
Federação Americana com uma solicitação de que eles enviassem dois Grandes
Mestres, sendo que um deles deveria ser , definitivamente, Fischer!
No aspecto
competitivo, eu acho que o convidado justificou as esperanças do Príncipe (1.
Fischer – 7 em 9; 2. Smyslov – 6(1/2); 3-4. Geller e Larsen – 6 etc), mas
dificilmente no aspecto humano: ele se comportou como uma prima donna e quando
os organizadores novamente contataram os americanos dois anos depois, eles
solicitaram que enviassem quaisquer dois Grandes Mestres, desde que não Fischer!
Na
sequência, a obra começa a relatar um dos aspectos mais marcantes da carreira
de Fischer, quando aponta:
O
drama que se desencadeou no Interzonal de Sousse (Tunísia, outubro-novembro de
1967) é uma das páginas mais intrigantes na biografia de Fischer. Apesar de não
faltarem testemunhas oculares e de toda essa história com suas paixões “africanas”
ter sido descrita em detalhes na imprensa, é
muito difícil entender a razão secreta para os fatos que ocorreram nesse
pequeno resort nas areias do Mar Mediterrâneo.
Kasparov
então faz um longo relato dos problemas decorrentes de adiamentos de partidas de Fischer por
motivos religiosos, que resultaram em sobrecarga na agenda de suas partidas futuras no evento, resultante
exclusivamente de suas exigências. Por não concordar com esse calendário,
Fischer ameaçou sair do torneio algumas vezes e até rasgou em pedacinhos, na frente
dos árbitros e organizadores, um memorando que eles lhe entregaram. Depois de
não ver atendidas suas reivindicações, ele perdeu 3 partidas por W.O, sendo a
última delas contra Larsen, quando liderava o Interzonal, o que o fez, de fato,
abandonar o evento!
Prossegue
Kasparov: Abandonar tendo marcado 8(1/2) pontos em 10?! Isso era simplesmente
impossível de se acreditar! “De acordo com a minha informação”, escreveu Keres
ao editor da revista Chess Life em fevereiro de 1968, “essa foi a primeira vez
na história do xadrez em que um jogador se retirou de um torneio quando o
estava liderando. Uma posição infeliz no torneio frequentemente tem sido a
razão para um jogador escapar sob os mais variados ‘pretextos’, mas um líder
jamais agiu dessa forma. É uma pena, não somente para Fischer, mas também para
todo o xadrez norte-americano, que Bobby não tenha a percepção de que há
barreiras que não podem ser ultrapassadas. Agora ele será forçado a esperar mais
três anos pelo próximo ciclo”.
É
claro que o norte-americano poderia ter feito as concessões e terminado o
torneio em primeiro, mesmo com dois zeros (Larsen venceu o torneio com três
derrotas e o seu número de vitórias era bem mais baixo). Fischer era um jovem já
capacitado para grandes feitos, estava pronto para uma luta real e teria
chegado pelo menos ao match final do Torneio dos Candidatos, no qual muito provavelmente
encontraria Spassky.
E
aqui Kaspavov é incisivo(!): Espere aí: será que não foi essa a chave do
mistério do comportamento de Fischer em Sousse? Para alguns, razões
aparentemente irracionais o fizeram retirar-se do torneio de Sousse, mas graças
a isso ele evitou um match muito perigoso com Spassky, que, por sua vez,
arrasava a todos naquela época. Fischer ainda não estava na versão 1970-72 de Fischer
e ele bem poderia ter fraquejado.
...
Você
sabe que conclusão paradoxal isso sugere? Como resultado de sua retirada de
Sousse, o mundo do xadrez sem dúvida perdeu um match final de Torneio de
Candidatos Spassky-Fischer em 1968, que teria sido muito interessante! Mas é
possível que o próprio Fischer tenha se beneficiado com isso: após analisar as
partidas dos dois jogadores, eu não estou certo de que ele teria derrotado
Spassky naquela época, e no caso de uma derrota Bobby poderia ter deixado
totalmente o xadrez, sem de fato se tornar Campeão Mundial... Isso é, o destino
o preservou!
(Reedição da série de postagens 'Bobby Fischer: uma vida em 30 dias', publicada neste blog em 2015, com base em extratos do Vol. 4 do livro 'Meus Grandes Predecessores' de Garry Kasparov - Ed. Solis)
(Reedição da série de postagens 'Bobby Fischer: uma vida em 30 dias', publicada neste blog em 2015, com base em extratos do Vol. 4 do livro 'Meus Grandes Predecessores' de Garry Kasparov - Ed. Solis)
Tenho acompanhado suas postagens, em tons de reportagens, feitas a respeito do Fischer. Quero parabeniza-lo por elas. Muito bem escritas. Creio, em minha opinião um tanto óbvia, mas o óbvio também tem suas complexidades, que com todo respeito a outros tantos jogadores americanos, como Mecking, Nardof, dentre outros, o único americano capaz de conquistar um título mundial àquela época, na qual os russos tinham total domínio, seria, como foi, o Bobby. Ele soube jogar dentro e fora do tabuleiro. Ele foi único nesse aspecto. Ele não precisava de Federação alguma para conseguir seus objetivos. Traçava, passava por cima de muitos, é bem verdade, mas ao final triunfava. Os EUA devia tê-lo agradecido por isso. Abs e sucesso.
ResponderExcluirMuito grato, Zirpoli. É sempre muito bom o reconhecimento dos nossos leitores. Esta série de postagens integra nosso conjunto de ações para celebrar a memória de Bobby Fischer, nos 30 dias que antecedem o evento que tem justamente a denominação de Memorial! Por tudo que o americano genial foi e fez, ele merece essa nossa singela homenagem! "Fischer forever"!
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