O
hara-kiri em Sousse [1967] foi o ápice da “segunda onda” de Fischer. Seu ciclo
de três anos de atividade chegou a um final. Bobby lentamente, mas de forma
segura, mergulhou em outro período de “hibernação”.
...
Em
outubro [1968] Bobby chegou para a Olimpíada de Lugano, onde os
norte-americanos pretendiam competir com a equipe soviética pela medalha de
ouro. A razão para tal otimismo era que pela primeira vez eles tinham
conseguido inscrever tanto Fischer como Reshevsky na equipe.
Entretanto,
ao ver o salão do torneio, Bobby ficou infeliz. “Eu imediatamente percebi que
não dá para jogar naquele local! Os espectadores não paravam de andar entre as
mesas e até fumavam!” Ele exigiu que a iluminação fosse trocada, fotografias
deveriam ser proibidas durante o jogo, sua mesa deveria ser colocada a oito
metros distante dos espectadores e, se possível, deveriam lhe permitir jogar em
sala separada... Quando os suíços se recusaram a isso, Fischer declarou que não
jogaria sob tais condições e foi para Milão.
...
E
Kasparov faz uma observação marcante: A posição de Fischer é compreensível
para mim, pois também fico indignado quando, por exemplo, Anand concorda em
jogar na “roça”. Se não forem os principais Grandes Mestres, quem mais lutará
pela melhoria das condições de jogo, pelo crescimento do prestígio do xadrez?!
Fischer respondeu com firmeza, como um verdadeiro profissional. Quando os
organizadores foram incapazes de atender as suas exigências (...), ele deu meia
volta e saiu, sem dar a menor importância ao fato de quem sem ele a equipe dos
EUA corria o risco de terminar fora das medalhas. Princípios são mais
importantes!
A
obra prossegue e relata a participação de Fischer no “Match do Século”,
realizado em Belgrado, na primavera de 1970, entre as equipes da União
Soviética e do Resto do Mundo.
Um
ponto relevante nesse evento foi a surpreendente concordância de Fischer em
conceder a posição de 1º tabuleiro da equipe do Resto do Mundo ao dinamarquês
Larsen, que alegara direito moral de liderar a equipe mundial, pois durante a
ausência de Fischer ele havia conquistado alguns grandes sucessos.
Kasparov
relata: (...) na verdade ele [Fischer] estava realmente muito feliz por Larsen
ter exigido o 1º tabuleiro. Uma coisa era jogar com o “pacifista” Petrosian, de
quem Fischer não perdia desde Curaçao e ao estilo do qual tinha se ajustado, e
outra muito diferente com o “agressivo” Spassky, que estava no auge.
...
Fischer
explorou a situação resultante o máximo que pôde. Ao conceder o tabuleiro 1
“para o bem do match”, ele não somente evitou um encontro muito perigoso com o
Campeão Mundial, mas também ganhou a simpatia do público, que fica sempre do
lado do “prejudicado”. Após uma abstenção do jogo por aproximadamente dois
anos, era muito importante para Fischer conquistar uma vitória psicológica: ele
ficava inspirado quando tudo ia de acordo com o seu cenário, e neste caso tudo
seguiu como Bobby queria. E parece-me que já em Belgrado ele finalmente
compreendeu o mecanismo com o qual ele daí em diante obteria concessões dos
adversários e organizadores. O principal era criar um alvoroço em torno do seu
nome! “Fischer deixou seu quarto”, “Fischer pediu o jantar no restaurante”,
“Fischer pegou um táxi”, e assim por diante. Ainda sem fazer um único lance, aos
olhos de todos o norte-americano já parecia ser o claro favorito, e este é um
importante elemento para a conquista da vitória no xadrez.
No
final o match teve o seguinte resultado: URSS 20 (1/2) x 19 (1/2) Resto do
Mundo. Fischer venceu seu match contra Petrosian por 3-1 (+2=2)
No
mesmo ano, ocorreu o “Torneio da Paz” em Zagreb que... terminou triunfalmente
para o norte-americano: 1. Fischer – 13
pontos em 17; 2-5. Gligoric, Hort, Kortchnoi e Smyslov – 11; 6. Petrosian – 10(1/2)
etc.
E
ninguém ficou sabendo que ele se sentou ao tabuleiro praticamente contra a sua
vontade. “Vou digo alguma coisa sobre a fraca iluminação e...volto”, admitiu
para Bronstein um pouco antes. “Eu não jogo mais com iluminação comum: os
médicos me disseram que eu posso danificar meus olhos se eu os forçar por cinco
horas”. Mas Fischer – caso raro! – calculou mal sua combinação infantil: os
organizadores aceitaram todas as suas condições e ele teve que jogar. Não foi a
própria Caíssa que conduziu Bobby à coroa mundial?!
(Reedição da série de postagens 'Bobby Fischer: uma vida em 30 dias', publicada neste blog em 2015, com base em extratos do Vol. 4 do livro 'Meus Grandes Predecessores' de Garry Kasparov - Ed. Solis)
(Reedição da série de postagens 'Bobby Fischer: uma vida em 30 dias', publicada neste blog em 2015, com base em extratos do Vol. 4 do livro 'Meus Grandes Predecessores' de Garry Kasparov - Ed. Solis)
!!!
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