sábado, 30 de setembro de 2017

O xadrez ou o dinheiro?

Por Rewbenio Frota


O xadrez tem um poder arrebatador sobre muitas pessoas, algumas enamoram-se do jogo pela vida inteira, outras vivem somente uma intensa paixão que se apaga com o tempo (ou com as derrotas).
O grau de amor pelo jogo nem sempre equivale ao grau de competência. O grau máximo de competência no xadrez é simbolizado pelo título de Grande Mestre Internacional (GM) que ao longo da história tem sido alcançado por uma ínfima parcela da humanidade. Um título assim deveria garantir uma longa e feliz vida nos tabuleiros, certo?
Infelizmente não tem sido o caso.
Cada vez mais jogadores de alto nível têm abandonado o xadrez competitivo como forma de  sustento e partido para outras atividades, às vezes até mesmo outros jogos, que conferem uma renda mais estável. Para os aficionados parece um grande desperdício, um talento mal alocado, mas os enxadristas também estão submetidos à mesma realidade dos demais mortais: é preciso um trabalho “normal” que ofereça uma renda viável.
No recente livro The Rookie: An Odyssey Trough Chess (and Life) (ainda sem título no Brasil), o autor Stephen Moss (jornalista e enxadrista amador) fala bastante do dilema do GM moderno. Na prática somente aqueles que conseguem manter-se com rating acima de 2700 (atualmente cerca de 40 jogadores no mundo inteiro) têm chance de receber convites (remunerados) para torneios de elite com boa premiação, recebem ofertas de patrocínio, e assim não precisam dividir seu tempo com atividades como dar aulas ou escrever artigos, podem focar todo o tempo e energia em melhorar seu jogo. Fora dessa pequena elite, as demandas financeiras acabam por afastá-los da competição, e muitas vezes até do jogo!
Há atividades muito bem remuneradas que são ideais para a mente ágil de um GM, o mercado financeiro é uma delas (inclusive procura novos talentos entre os enxadristas). Numa pesquisa rápida, pelo menos três Grandes Mestres têm destacada carreira como especialistas em finanças: Kenneth (‘Ken’) Rogoff (EUA, último rating 2505), Patrick Wolff (EUA, último rating 2564) e Pascal Charbonneau (CAN, último rating 2505).
O que esperar de um GM que abandona o jogo por outra atividade? Acho que todos têm grandes chances de sucesso. São pessoas de elevada capacidade mental, determinadas, e que gostam muito de vencer. Ken Rogof, por exemplo, tornou-se um dos mais respeitados economistas dos EUA, professor de Harvard, escritor e diretor de pesquisa do FMI. Ainda joga informalmente, inclusive com Magnus Carlsen!
O xadrez perdeu um GM, o mundo ganhou um grande economista!
Como consolo, o xadrez também vê novos talentos surgindo, como o indiano Rameshbabu Praggnanandhaa (o mais jovem Mestre Internacional da história, aos 10 anos de idade) que ainda tem chances de bater o recorde de Karjakin de mais jovem GM da história. Enquanto são jovens, eles podem dedicar-se aos mistérios do jogo e deleitar os aficionados com suas fantásticas ideias; para eles, o mundo ainda é imensamente mais simples que um tabuleiro com algumas peças sobre ele.

4 comentários:

  1. Belo artigo sobre um dilema muito presente na vida dos jovens talentos brasileiros.

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  2. Respostas
    1. De fato, João Leite! O Rewbenio Frota é um às dos artigos enxadrísticos! Aliás, dizer que seus textos são excelentes é algo redundante! É mesmo um privilégio tê-lo aqui em nosso Reino!

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  3. É... No final das contas os GMs são gente como a gente, com demandas, desejos e contas a pagar.

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