(Artigo publicado no site do TJ-PA, em 22/05/2017)
Um projeto que ensina xadrez a um grupo de 20 detentos do regime semi-aberto, na Colônia Penal Agrícola de Santa Izabel do Pará, complexo penitenciário de Americano, na Região Metropolitana de Belém, traz uma novidade no âmbito da execução penal no País: a possibilidade de redução de pena para os que participam das aulas. A cada 12 horas de estudo, os detentos reduzem um dia de pena. E como poderão também, após o curso, participar de competições na modalidade, a cada dia de competição são menos 12 horas de pena.
Três deles, selecionados em certame interno, participarão do II Torneio Aberto do Brasil do Clube de Xadrez da Cidade Velha, competição internacional que ocorrerá no Hotel Beira Rio, em Belém, nos dias 7, 8 e 9 de julho, com o apoio da Secretaria Estadual de Esporte e Lazer (Seel) do governo do Pará.
A expectativa é de que o torneio reúna em torno de 50 competidores, com a participação de mestres de porte internacional e jogadores amadores do País e do Estado.
Juiz titular da 4ª Vara Criminal de Belém, Flávio Leão elaborou a tese jurídica que embasa o projeto “Prática Desportiva do Jogo de Xadrez como Meio de Remição de Pena”. Fundamentada na Lei de Execução Penal (LEP) e em decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a proposta enquadra, por analogia, o curso de xadrez no escopo das exigências previstas na LEP, que prevê a remição por meio do trabalho e da frequência em curso regular educacional.
TESE
“Há decisões do STJ que permitem a remição pela leitura e pela prática de esportes. O xadrez é esporte e é leitura, porque obriga a ler textos teóricos que te ensinam a jogar melhor, textos que a gente vai distribuir pra eles durante o curso. Se estão jogando xadrez, estão praticando esporte, estão lendo ao mesmo tempo, então por analogia tu podes aplicar o código das execuções penais sobre o trabalho e a frequência num curso regular”, resume o magistrado.
A tese jurídica foi apresentada ao juiz titular da Vara de Execução Penal, João Augusto de Oliveira, que a aprovou e expediu portaria validando o curso e estabelecendo as regras para a remição das penas.
O Clube de Xadrez da Cidade Velha, dirigido pelo juiz Flávio Leão, apresentou o projeto, que recebeu o apoio da Secretaria Estadual de Justiça e Direitos Humanos (Sejudh) e da Seel. “A tese jurídica fui eu que fiz, eu e o professor José Wilson, que é professor de matemática, funcionário da Susipe, e o professor Orlando Souza, da UFPA”, informa o juiz, professor voluntário do projeto piloto, que dá aulas de xadrez três vezes por semana aos detentos na Colônia Penal.
O curso foi aberto a todos presos do semi-aberto, na Colônia Agrícola, onde a filosofia do regime é de auto-disciplina e auto-responsabilidade, não há grades, muros ou presença ostensiva da PM. “Se ele sai é considerado foragido e se for preso, regride para o fechado”, observa o juiz.
O magistrado explica que nada impede que, no futuro, avaliada essa primeira experiência, o curso seja aplicado também aos presos do regime fechado. “A gente pode aplicar também no presídio feminino”, cogita o juiz, para quem a vantagem do xadrez, reconhecida em âmbito mundial, é que ele permite a ressocialização da pessoa. “A gente que é enxadrista sabe que é um jogo que transforma a vida da gente, que estimula o respeito ao adversário, onde tu não agrides, a não ser no tabuleiro, com os ataques, mas tu tens que respeitar teu adversário; às vezes eu comparo o xadrez com um processo judicial, onde um advogado tem que prever qual vai ser a jogada do outro advogado, da outra parte, e aqui também tens que prever duas ou três jogadas adiante, o que exige estratégia e cálculo”.
EXPECTATIVAS
Fábio Alex, 45 anos, três meses na Colônia Agrícola, avalia o curso de xadrez como uma oportunidade a mais pra ele encurtar o tempo de prisão. “Entrei na remição pela leitura e agora estou aproveitando o xadrez pra agilizar minha volta pra casa, pra família. Quero começar a minha vida novamente, com a família, com a sociedade, eu trabalhava com comércio”, diz ele.
Lucas Rodrigues da Silva, 19 anos, há dois meses na Colônia Penal, diz que o curso é a oportunidade de um reencontro com o xadrez, que ele começou a jogar quando tinha 12 anos. “Só que eu tinha dado um tempo, né, tinha parado, que eu me meti no crime, e agora voltei a jogar de novo” disse ele, que foi preso por homicídio. A expectativa para quando sair “é trabalhar, cuidar do meu filho e, se eu tiver tempo, ainda, jogar xadrez de novo”, promete.
Jônatas dos Santos Sousa, 25 anos, dois meses na Colônia Agrícola, já cumpriu um ano e meio de uma pena de oito anos, por tráfico, e avalia que o xadrez é mais um aprendizado para ajudá-lo até o ano que vem, quando ele aguarda a progressão para o regime aberto. “Voltar de novo pro mundão, né? Tô nessa expectativa aí, tenho meu filho pra cuidar.”
Luiz Gustavo Pinto do Nascimento, 27 anos, nove meses na colônia penal, aguarda ser transferido para o regime aberto em agosto, porque foi aprovado pelo Sisu para o curso de licenciatura plena em geografia do IFPA e irá para a Casa do Albergado, em Val-de-Cans, para frequentar as aulas em Belém. “Eu não jogava xadrez, eu sabia alguma coisa, mas nunca tive a oportunidade de jogar. A expectativa é a melhor possível, porque o xadrez expande a mente, você acaba tendo rapidez no raciocínio, ajuda na memória e também tem a remição, então é muito bom”, resume.
Daniel Marques, 33 anos, 40 dias na Colônia Penal, foi condenado por assalto e avalia mais essa oportunidade de remição como um meio de “ir embora mais cedo, não ficar muito tempo aqui”. “Eu tenho três remições: o xadrez, a da escola e eu trabalho aqui na acerola, faltam mais quatro meses e eu tou indo embora, já. Pretendo mudar minha vida, arrumar um trabalho, quando eu fui preso não tinha um emprego fixo, quando eu sair daqui, quero ter um emprego fixo, eu trabalho com música, sou DJ de boate, eu tava desempregado, por isso que eu me envolvi em assalto”, relata.
Fonte: Coordenadoria de Imprensa
Texto: Edir Gaya, com informações de O Liberal
Foto: Ricardo Lima