terça-feira, 27 de junho de 2017

Saudades de Fischer

Por FERNANDO MELO

(NOTA: Artigo escrito originalmente em junho de 1996, no jornal A União, época em que Bobby Fischer ainda era vivo.)

Certa vez o dr. Luiz Tavares, médico pernambucano já falecido e que amava verdadeiramente o xadrez me disse, com uma voz educada e serena, que Robert Fischer, a despeito de que muitos pensavam, não era um mercenário. Podia ser um perdulário.

Sempre considerei Fischer o melhor jogador do mundo, na minha geração. O que ele fez na década de 60 e começo da de 70 foi muito mais do que Kasparov fez na década de 80 e continua fazendo na atual década. Para mim, Fischer tem uma importância muito grande. Não posso esquecer os seus feitos, tanto dentro como fora do tabuleiro. Com certeza ele foi a pessoa que mais contribuiu para a popularidade do xadrez.

A sua conduta excêntrica e suas poucas ortodoxas ações, lhe deram fama de extravagante. Mas esse seu comportamento era em favor do xadrez.

"É difícil encontrar um homem que seja mais devoto no xadrez que Bobby. Quando lhe perguntei se tinha muitos amigos, Bobby invariavelmente respondia que todos aqueles que amam o xadrez...", diz  Eduard Gufeld, um grande mestre russo que conheceu Robert Fischer e que muito o respeitou e respeita.

Sobre a questão de Fischer não ser mercenário, como me disse dr. Luiz Tavares, vejamos o que afirma Gufeld.

"Recordo quando um jornalista estrangeiro perguntou a Bobby com falta de tato: ´Bobby o que é mais importante para ti, o xadrez ou o dinheiro?` Fischer me olhou e então deu as costas ao jornalista. As exigências financeiras de Fischer aos organizadores produziram a impressão de uma excessiva ganância de sua parte. Mas não era tão assim.Em minha opinião, o dinheiro para ele não tinha um papel primordial. Julgue o leitor por si mesmo. Antes de começar seu match com Spassky (pelo título mundial em 1972), Fischer já estava prevendo que os prêmios (120 mil dólares) subiriam ao dobro. Possivelmente seu pensamento era que dobrando os prêmios também se dobravam a importância do match (e talvez a importância do próprio xadrez). O dinheiro não era tão importante para ele e várias vezes depois do match, Fischer recusou um contrato de 10 milhões de dólares para emprestar seu nome a um anúncio publicitário¨.

Fischer - continua Gufeld - estava obcecado com a ideia de aumentar o prestígio do xadrez e o dinheiro na América é a coisa mais importante, pelo que ele desejava obter melhores prêmios para os enxadristas jogarem em melhores condições.

Nas Olimpíadas de Lugano ele abandonou esta prova em nome dos seus princípios. "Este salão não é para o xadrez. Se não melhoram as condições, não jogarei aqui." E foi embora. Os eventos subsequentes provaram que ele tinha razão. Ao final da competição, muitos grandes mestres expressaram que as condições haviam sido insuportáveis. Naquele tempo, as competições enxadrísticas suportavam, entre outras coisas, barulho, multidão e cigarro. Atualmente, a atuação melhorou bastante. Com certeza o crédito é para Robert Fischer.

É importante que a geração atual e as futuras gerações de enxadristas conheçam a verdade sobre o décimo primeiro campeão mundial de xadrez. Sua vida dignifica a arte de Caíssa. Fischer nunca pode ser esquecido pelo que ele fez em favor do xadrez. Nunca é demais repetir isso.

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