sábado, 6 de junho de 2020

O Vazio do Xadrez Virtual


Por José Mário Espínola

Zé Mário, Alejandro e Dutra.
As minhas tardes de sábado costumam proporcionar um prazer juvenil: jogar xadrez! Mas o termo é insuficiente para revelar a riqueza que a atividade lúdica encerra.

Embora egresso de uma família de enxadristas (Papai e meus irmãos jogavam xadrez), só me dediquei ao jogo a partir dos 14 anos, quando numa noite de novembro de 1964 eu estava estudando com Fernando Furtado Filho para a prova de história, que seria dia seguinte no Colégio Pio X.

Lá para tantas chegou Paulo Germano, futuro médico então, trazendo um jogo de peças e um tabuleiro. Ele nos ensinou as regras básicas, o movimento de cada peça, e foi dormir, deixando o jogo ao nosso alcance. Pra que fez isso!

Eu e Nino passamos o resto da noite, madrugada adentro, jogando xadrez. Manhã seguinte não deu outra coisa: ficamos os dois em 2ª época em história.

Desde então nunca mais deixei de jogar. Não com a frequência que eu gostaria, pois tenho família e profissão para dar atenção. Embora eu jogue muito, não passo de um capivara, que é o jogador de xadrez mais iniciante, diferente de um Mestre-FIDE (MF), ou um Grande-Mestre (GM).

Passamos a jogar só às tardes dos sábados, ora em casa, ora no restaurante Tábua de Carne, que nos acolheu. Turma boa: eu, Petrov Baltar, Edson Loureiro, Umbelino, Kleber Maux, Dutra, Anchietinha, Genivaldo e uma figura da qual sinto muita falta: o médico José Severino Magalhães, um mestre na arte de jogar xadrez, e na música. Mas era tudo muito irregular, e o restaurante, embora nos acolhesse bem, não era ambiente próprio para jogar xadrez.

Foi quando uma tarde o urologista Anchieta Antas Filho me levou para conhecer o Clube Miramar de Xadrez. Aí me realizei!

O Clube Miramar é um ambiente exclusivo para se praticar a Arte de Caissa, que é como Fernando Melo chama o xadrez. O seu presidente é o MF Chiquinho Cavalcanti. MF é nada mais, nada menos que Mestre Fide! É uma graduação honrosa concedida (conquistada!) pela Federação Internacional de Xadrez, a FIDE.   

O clube também é uma escola de xadrez, para alunos de todas as idades. Contém 20 tabuleiros, com seus respectivos jogos de peças e relógios. Além de um tabuleiro-mural, para dar aulas e fazer análises.

Está sempre revelando um futuro mestre. Mas o melhor aluno do prof. Cavalcanti, não resta dúvida, é o jovem Mestre Tomaz, que já está brilhando nos tabuleiros do Brasil afora.

Depois que passei a frequentar, as tardes dos sábados passaram a ter um novo sentido para mim. Lá eu me esbaldo. Todos os sábados temos torneios, sendo que uma vez por mês é valendo título, premiação.

Quem está fora do xadrez tem uma imagem diferente, um pouco rigorosa, pois só tem conhecimento dos campeonatos mundiais, onde o silêncio é sepulcral, rostos fechados, feições rígidas. Ninguém se diverte.

No Clube de Xadrez Miramar é outra coisa. Fiquei fascinado. Lá o xadrez tem vida! Lá se brinca, se diverte. Mexo com os amigos adversários, jogando a dama para o ar só para deixá-los nervosos. Eu me divirto muuuuito!  Só a oportunidade de ouvir Petrov com as suas frases engraçadas (“safado velho!”, por exemplo), quando está vencendo, é impagável.

Ninguém consegue deixar de achar graça com a choradeira de Jorge porquê não foi premiado, nem com a cara de Valdemiza quando toma uma dama do adversário, uns brincando com os outros...!

Nas tardes de sábados é possível encontrarmos a bela Rebeca, quando consegue conciliar as rondas com as tardes de folga no Clube de Xadrez, jogando “um bolão”, sendo páreo duro para qualquer enxadrista.

A presença do psicanalista chileno Dom Alejandro Telehoff jogando com Genivaldo dá um ar de sofisticação internacional ao Clube. A doçura constante de Targino, o único enxadrista que consegue perder uma partida sem ficar magoado com o adversário, é comovente.

Os mestres Eny Nóbrega e Alexandre César conferem um ar de legalidade aos torneios que acontecem. E a presença do MF Luismar Brito atesta o nível elevado que é o Clube Miramar de Xadrez.

Antes dos torneios podemos quebrar a cabeça tentando solucionar os problemas que Déo Souza sempre tem no bolso. Genildo é um dos primeiros a encontrar a solução.

Todos os sábados observamos a agilidade de Manassés e Fabiano organizando os torneios, com a assessoria de Túlio.

Lá não tem tempo ruim, não tem mal humor. O ambiente é o melhor possível. As figuras estão sempre alegres. Até Eudes Carioca, quando perde uma partida (e ele tem horror a perder!) não fica zangado.

Tudo isso entremeado por deliciosos bolos e outras guloseimas proporcionadas por Lili, dublê de intelectual e dona de casa. Um cafezinho delicioso, saindo de uma cafeteira asmática, gorgolejante. Um suco de limão que faz inveja aos limões sicilianos.

Aí chegou a pandemia... E para jogar xadrez tenho que recorrer ao computador. Jogo em grupos, torneios simultâneos, ao vivo (on láine). Cá estou eu, sozinho, num isolamento de luxo, aqui no gabinete, jogando com adversários sem ver a cara, sem poder bulir com um ou com outro. Portanto, não vejo a hora de que termine esse isolamento cruel.

Pois quando acabar poderei voltar ao Clube Miramar de Xadrez, onde a alegria é pura. Não tem dinheiro que pague!

VIVA O XADREZ AO VIVO (no bom sentido, é claro)!


Nota -  Texto originalmente publicado no blog Ambiente de Leitura (www.carlosromero.com.br).

2 comentários:

  1. José Mário, você redigiu esse excelente relato de forma agradável, que o leitor gosta de ler.
    Isso é muito bom para nós xadrezistas para nos mantermos bem informados sobre o nosso cotidiano.
    Esperamos ver futuras matérias dessa natureza.
    Parabéns!

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  2. Parabéns ao Zé Mário pelo belo texto. Obrigado pela lembrança! Me sinto honrado.

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