Esta
é uma história de amizade. Não vou dizer os nomes dos personagens, pois quero
provocar a curiosidade de vocês. Então,
vou chamar um deles de amigo presenteador; e o outro, de amigo presenteado.
Pois
bem. O amigo presenteador estava acompanhando uma partida do amigo presenteado,
quando percebeu um drama extratabuleiro se desenrolando ali. Aquilo o fez se
lembrar dos tempos em que era militar do exército.
Com a
inspiração atiçada, pôs-se a escrever, mesclando suas recordações com o que
estava testemunhando. Texto pronto, presenteou-o ao amigo. O amigo presenteado,
sensibilizado, colocou-o numa moldura. Haveria de guardá-lo com muito carinho.
Porém,
o tempo é implacável, e eis que aquele presente ficou esquecido numa gaveta
qualquer. Até que, ao ler um dos textos publicados neste blog, o amigo
presenteado lembrou dele.
E,
agora, os presenteados somos nós! Leiam o texto. Degustem!
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Por Trás do
Tabuleiro
Anos
60, anos 70. Bons tempos aqueles. Pode ser verdade e pode ser mentira, depende
do prá quê. Para umas coisas sim e para outras não. Não me lembro exatamente
qual foi a década que o fato aconteceu. Foram nos dias em que eu me preparava
para o combate nas fileiras convencionais da defesa da Nação. Marchava um tanto
fora do compasso e sem ter noção do inimigo que iria enfrentar.
Talvez,
o inimigo fosse o amigo e o amigo o inimigo. Sabíamos apenas que ele era
perigoso. Mas também não sabíamos o porquê.
Junto
a mim, num daqueles dias, estava um companheiro que eu chamava de camarada, sem
ser dos que morria pelo povo nas milícias populares. Era um tratamento também
comum no nosso meio.
O
camarada, como eu, era também um combatente graduado, e, fazia na época o curso
de odontologia numa das faculdades do Recife. Em tom de gracejo, referindo-se
ao chefe do quartel, por quem não nutria grandes simpatias, dizia o seguinte:
“- Nós ainda nos encontraremos em trincheiras opostas”. Talvez, vislumbrando a
oportunidade de ver um dia o clima de desespero na face do dito chefe, ao
investir contra sua boca com um daqueles desagradáveis alicates cirúrgicos,
para extrair um dos seus velhos molares.
Era
o sonho do pequeno contra o grande. A reação contra a soberba da autoridade.
Apenas um gracejo que certamente, nunca se concretizou. Afinal, gracejo não é
aspiração de vida.
Mais
recentemente, engalonado, porém romântico pelas poesias que fazia, outro chefe,
como daqueles tempos, já afastado das linhas de combate e vindo de plagas
distantes, esforçava-se para mostrar os seus valores e, sobrepujar em porfia
diferente um humilde funcionário da justiça federal. Foi numa partida de xadrez
num clube onde se pratica aquele esporte, também lá pelas bandas do Recife. Era
novamente, em trincheiras opostas, David contra Golias. E, como na fábula, prevaleceu
a supremacia de David.
Percebendo
o grande combatente sua derrota iminente, para um simples desaforado da
justiça, deteve-se quanto à atitude a adotar. Não poderia aceitar aquela
situação. Iria levar mate no lance seguinte. Algo como a hora do êxtase, assim
como diz na poesia, que quando não dá prá segurar explode o coração. Era mate
sem alternativa de defesa, logo de um desaforado! Dizia consigo mesmo. Não
poderia admitir. Seria o check-mate sobre um combatente inflado pelos galões do
alto posto que ocupava. O que fazer, para superar aquela situação? O que fazer?
Questionava ele. Se o dilema fosse noutro esporte, poderíamos dizer tratar-se
de uma sinuca de bico, mas no xadrez, estava em check mesmo. O drama era tanto,
que nem sequer mais enxergava o tabuleiro a sua frente. Contudo, era o que
menos importava naquele momento. Pensava em diversas saídas, menos em abandonar
a partida, que era a lógica imposta pela posição. Mas isso ele não faria, seria
mostrar a sua fraqueza ao reconhecer a engenhosidade de seu adversário.
Resolutamente disse não. Um combatente jamais se entrega! Tinha que ir até o
fim. Seus valores não podiam ser superados e nem seus brios feridos assim, sem
mais nem menos. E, enquanto pensava, o tempo passava. Até que finalmente a seta
do seu relógio caiu. O seu tempo de pensar na partida havia expirado. A
estratégia silenciosamente adotada coroava-se de êxito! Enfim a grande saída! E
então, singelamente expressou: “- Perdi pelo Tempo!”
Marcos Ivan –
23/01/1999
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Como
perceberam, o amigo presenteador é Marcos Ivan. E o amigo desaforado dele? É
João Carlos Zirpoli. Conheço Marcos Ivan desde os anos 1970, mas só tive a
satisfação de conhecer Zirpoli após meu retorno ao xadrez, em 2018. Ambos são
do Recife. E, para que vocês não me acusem de estar mentido, segue a foto do
texto original, devidamente acondicionado em uma moldura.
Obrigado amigo Urquiza, você será sempre uma palavra abalizada. Faltou dizer o nome do comandante: Oliveiro Litrento, autor de livros em áreas diversas incluindo um sobre direito internacional. Na ocasião ele estava visitando a academia de M Asfora que ofereceu um torneio em sua homenagem e eu tive o prazer de disputar uma das partidas com o homenageado. Agora o homenageado sou eu pelo belo texto de Márcos Ivan ter sido publicado em site de tamanha importância. Obrigado
ResponderExcluirO reviver dessa história também termina por me homenagear pois não mais me lebrava desse escrito. Na realidade quando escrevi ou quando descrevi esse acontecimento, o fiz como um desabafo, uma foma de cobrar mais humildade da parte do outro jogador pois, sou um fiel combatente às injustiças nas suas mais diversas formas de expressão.
ResponderExcluirEm tempo: Oliveiros Litrentos também se arriscava na poesia. Nessa oportunidade, exatamente, estava lançando seu mais novo livro na academia do MF Marcos Asfora.
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