domingo, 31 de maio de 2020

O Voo do Capivara - "Por Trás do Tabuleiro"!

Por Marcello Urquiza

Esta é uma história de amizade. Não vou dizer os nomes dos personagens, pois quero provocar a   curiosidade de vocês. Então, vou chamar um deles de amigo presenteador; e o outro, de amigo presenteado.

Pois bem. O amigo presenteador estava acompanhando uma partida do amigo presenteado, quando percebeu um drama extratabuleiro se desenrolando ali. Aquilo o fez se lembrar dos tempos em que era militar do exército.

Com a inspiração atiçada, pôs-se a escrever, mesclando suas recordações com o que estava testemunhando. Texto pronto, presenteou-o ao amigo. O amigo presenteado, sensibilizado, colocou-o numa moldura. Haveria de guardá-lo com muito carinho.

Porém, o tempo é implacável, e eis que aquele presente ficou esquecido numa gaveta qualquer. Até que, ao ler um dos textos publicados neste blog, o amigo presenteado lembrou dele.

E, agora, os presenteados somos nós! Leiam o texto. Degustem!

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Por Trás do Tabuleiro

Anos 60, anos 70. Bons tempos aqueles. Pode ser verdade e pode ser mentira, depende do prá quê. Para umas coisas sim e para outras não. Não me lembro exatamente qual foi a década que o fato aconteceu. Foram nos dias em que eu me preparava para o combate nas fileiras convencionais da defesa da Nação. Marchava um tanto fora do compasso e sem ter noção do inimigo que iria enfrentar.

Talvez, o inimigo fosse o amigo e o amigo o inimigo. Sabíamos apenas que ele era perigoso. Mas também não sabíamos o porquê.

Junto a mim, num daqueles dias, estava um companheiro que eu chamava de camarada, sem ser dos que morria pelo povo nas milícias populares. Era um tratamento também comum no nosso meio.

O camarada, como eu, era também um combatente graduado, e, fazia na época o curso de odontologia numa das faculdades do Recife. Em tom de gracejo, referindo-se ao chefe do quartel, por quem não nutria grandes simpatias, dizia o seguinte: “- Nós ainda nos encontraremos em trincheiras opostas”. Talvez, vislumbrando a oportunidade de ver um dia o clima de desespero na face do dito chefe, ao investir contra sua boca com um daqueles desagradáveis alicates cirúrgicos, para extrair um dos seus velhos molares.

Era o sonho do pequeno contra o grande. A reação contra a soberba da autoridade. Apenas um gracejo que certamente, nunca se concretizou. Afinal, gracejo não é aspiração de vida.

Mais recentemente, engalonado, porém romântico pelas poesias que fazia, outro chefe, como daqueles tempos, já afastado das linhas de combate e vindo de plagas distantes, esforçava-se para mostrar os seus valores e, sobrepujar em porfia diferente um humilde funcionário da justiça federal. Foi numa partida de xadrez num clube onde se pratica aquele esporte, também lá pelas bandas do Recife. Era novamente, em trincheiras opostas, David contra Golias. E, como na fábula, prevaleceu a supremacia de David.

Percebendo o grande combatente sua derrota iminente, para um simples desaforado da justiça, deteve-se quanto à atitude a adotar. Não poderia aceitar aquela situação. Iria levar mate no lance seguinte. Algo como a hora do êxtase, assim como diz na poesia, que quando não dá prá segurar explode o coração. Era mate sem alternativa de defesa, logo de um desaforado! Dizia consigo mesmo. Não poderia admitir. Seria o check-mate sobre um combatente inflado pelos galões do alto posto que ocupava. O que fazer, para superar aquela situação? O que fazer? Questionava ele. Se o dilema fosse noutro esporte, poderíamos dizer tratar-se de uma sinuca de bico, mas no xadrez, estava em check mesmo. O drama era tanto, que nem sequer mais enxergava o tabuleiro a sua frente. Contudo, era o que menos importava naquele momento. Pensava em diversas saídas, menos em abandonar a partida, que era a lógica imposta pela posição. Mas isso ele não faria, seria mostrar a sua fraqueza ao reconhecer a engenhosidade de seu adversário. Resolutamente disse não. Um combatente jamais se entrega! Tinha que ir até o fim. Seus valores não podiam ser superados e nem seus brios feridos assim, sem mais nem menos. E, enquanto pensava, o tempo passava. Até que finalmente a seta do seu relógio caiu. O seu tempo de pensar na partida havia expirado. A estratégia silenciosamente adotada coroava-se de êxito! Enfim a grande saída! E então, singelamente expressou: “- Perdi pelo Tempo!”

Marcos Ivan – 23/01/1999

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Como perceberam, o amigo presenteador é Marcos Ivan. E o amigo desaforado dele? É João Carlos Zirpoli. Conheço Marcos Ivan desde os anos 1970, mas só tive a satisfação de conhecer Zirpoli após meu retorno ao xadrez, em 2018. Ambos são do Recife. E, para que vocês não me acusem de estar mentido, segue a foto do texto original, devidamente acondicionado em uma moldura.



3 comentários:

  1. Obrigado amigo Urquiza, você será sempre uma palavra abalizada. Faltou dizer o nome do comandante: Oliveiro Litrento, autor de livros em áreas diversas incluindo um sobre direito internacional. Na ocasião ele estava visitando a academia de M Asfora que ofereceu um torneio em sua homenagem e eu tive o prazer de disputar uma das partidas com o homenageado. Agora o homenageado sou eu pelo belo texto de Márcos Ivan ter sido publicado em site de tamanha importância. Obrigado

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  2. O reviver dessa história também termina por me homenagear pois não mais me lebrava desse escrito. Na realidade quando escrevi ou quando descrevi esse acontecimento, o fiz como um desabafo, uma foma de cobrar mais humildade da parte do outro jogador pois, sou um fiel combatente às injustiças nas suas mais diversas formas de expressão.

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  3. Em tempo: Oliveiros Litrentos também se arriscava na poesia. Nessa oportunidade, exatamente, estava lançando seu mais novo livro na academia do MF Marcos Asfora.

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