Hoje, os ventos sopram de
terras potiguares. E não é um ventinho qualquer, não! Se o caboclo
não se garantir, vai ao chão. É assim que retrato o nosso
convidado. Um jogador agressivo, com grande aptidão para a tática.
Para confirmar essa
afirmação, transcrevo o comentário que o leitor Luiz A. Xavier fez
numa matéria publicada pelo blog do Núcleo Enxadrístico de
Macaíba: “Bob, o perigoso. Brinque não, que ele come você com
farinha”. A expressão “comer com farinha”, se você não sabe,
significa, nesse caso, ganhar “facinho, facinho”.
Esse é o nosso
convidado: Bob Andrade, como os mais íntimos chamam o MF Roberto
Luís da Costa Andrade.
Roberto tem uma longa
militância no xadrez, com episódios de pioneirismo, como o que
será relatado em seguida.
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Conta-nos Roberto que, na
década de 1990, só havia um jogador no Nordeste com rating FIDE.
Isso se devia ao pouco intercâmbio de jogadores, em face da carência
de torneios na região. Era quase impossível ser ranqueado.
Porém, em maio de 1994,
foram realizados dois torneios internacionais consecutivos em
Fortaleza/CE: I e II Circuito do Sol. No primeiro torneio, com nove
rodadas, ele conseguiu enfrentar sete jogadores com rating FIDE; e no
segundo, jogou contra mais quatro.
Dentre seus adversários,
constavam nomes como os do GM Rafael Leitão, do argentino MI Diego
Adlas - campeão mundial de jovens -, do MI Cícero Braga, MI
Jeferson Pelikian e os argentinos MI Del Rey e Giardelli, que foi o
campeão do evento.
Dessa forma, obteve o tão
desejado ranqueamento, com uma performance Elo de 2315! Porém, no
mesmo mês, ele jogou outro torneio no Rio Grande de Sul, no qual não
conseguiu repetir o mesmo desempenho, e, assim, formou um rating de
2285. O título de Mestre Fide foi conquistado algum tempo depois.
Por conta disso, foi
convidado pela Federação Norteriograndense de Xadrez para
participar de torneios fechados, juntamente com um mestre de São
Paulo, que morava em Natal. Tais eventos dariam oportunidade para
outros jogadores também formarem rating. Com esse trabalho, o Rio
Grande do Norte passou a ser o segundo estado do Brasil com o maior
número de jogadores ranqueados na FIDE, superado apenas por São
Paulo.
Aquele esforço
inicial, somado ao desprendimento de mais alguns jogadores, surtiu
efeito. Assim, o estado potiguar se tornou um polo no Nordeste e
contribuiu para a formação de rating dos jogadores da região, além
dos de muitos outros estados do Brasil, tais como o Rio Grande do Sul
e o Amazonas.
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Mestre Roberto também
tem um histórico de
vários enfrentamentos com GMs e MIs, com diversos resultados
positivos e algumas “bolas na trave”. Já encarou até o campeão
mundial, Magnus Carlsen!
Mas, no Continental de
2003, em Buenos Aires, o “Swiss-Manager” exagerou. Ele foi
emparceirado contra quatro Grandes Mestres, isso nas primeiras quatro
rodadas! Foram eles: Igor Novikov, Alexader Wojtkiewcz, Gildardo
Garcia e Gregory Kaydanov, consecutivamente.
A partida que ele nos
presenteou foi jogada contra o GM Igor Novikov, da Ucrânia, logo na
primeira rodada daquele Continental. Na planilha, Roberto registrou o
rating de seu adversário: 2598!
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MF Roberto Andrade x GM
Igor Novikov
Buenos Aires –
17/08/2003
Segue o link da partida.
https://share.chessbase.com/SharedGames/share/?p=DY9d7StlZ4e+g71QwYwsCpFjc7PnLAKtH6EquqREeYK1VAaCsL86D5tA6Z3cYl6G
1.e4 c5 2.Cf3 d6 3.d4 cxd4 4.Cd4 Cf6 5.Cc3 a6 6.Bg5 e6 7.f4 Db6 8.Dd2
Db2 9.Tb1 Da3 10.f5 Cc6 11.fxe6 fxe6 12.Cc6 bxc6 13.Be2 Be7 14.0-0 Da5
A
dama foi lá em b2, beliscou um peão e, agora, retornará a seu
posto em “d8” para engrossar as fileiras de suas defesas.
Atualmente, o mais jogado é 14.... 0-0, mas que pode resultar em
uma linha de empate com 15.Tb3 Dc5+ 16.Be3 De5 17.Bd4 Da5
18.Bb6 De5, etc.
15.Rh1 Dd8 16.Bf3
0-0 17.e5 dxe5 18.Bc6
Dr.
Fritz observou que 18.De2 teria sido melhor. Por exemplo: 18.De2 Dc7
19.Bh4 Cd5 20.Be7 Ce7 21.Be4, com ideia de Ca4 e Cc5, com
compensações pelo material.
18.... Ta7
As
pretas também poderiam ter trocado as damas. Exemplo: 18.... Dd2
19.Bd2 Ta7 20.Ba4 Cd7 21.Tf8 Bf8, com o jogo um pouco melhor.
19.De1 Dd6 20.Be4
Tc7 21.Bf6 Tf6 22.Tf3
Uma
imprecisão que poderia ter dado vantagem às pretas. Com 22.Tf6 Bf6
23.Bd3 Bb7 24.Ce4, a igualdade seria mantida.
Outra
opção, porém mais complexa, era 22.Tf6 gxf6 23.Td1 Dc5 24.Ca4
Dc4 25.Cb2 Dc3 26.Bh7+.
22.... Tf3 23.gxf3
Tc4
Início
de uma manobra para pressionar a ala do rei. Mas 23.... Da3 24.Tb3
Da5 25.De3 g6 26.Rg2 Rg7, deixando as brancas sem boas opções
de jogo, teria sido mais efetivo.
24.Bd3 Tf4 25.Ce4
Dc6
Era
essa a posição que as pretas almejavam, quando transferiram a torre
para a ala do rei? Dr. Fritz está dizendo que ela está igualada.
Mas o diz sem oferecer quaisquer explicações. Então, me deem
licença para tentar interpretar essa afirmativa.
A
dama ocupou a grande diagonal, mirando o ponto “f3” e, em última
instância, o rei branco. Mas esbarram na casa “e4”, solidamente
defendida, e, ademais, “f3” é facilmente defensável. Então,
esse lance não teve qualquer efetividade. Por outro lado, a própria
dama ficou sujeita a eventuais ataques em “b6”, deixou a casa
“a7” sujeita a invasões e bloqueou a ação do bispo de casas
brancas.
A
posição da torre preta em “f4” é outro detalhe importante. Ela
está afastada da própria ala da dama, o que deixa as brancas com
boas possibilidades de jogo nesse setor.
É
isso? Concordam?
Teria
sido um pouco melhor 25.... Dc7, pelos motivos expostos.
26.De3 Tf8 27.Rg2
Td8
As
pretas reconheceram a inutilidade da torre em “f4”.
28.Da7 Td7 29.Db8
Rf7 30.De5 Td5
As
pretas tinham uma possibilidade tática interessante: 30.... Td3
31.Df4+ Bf6 32.cxd3 Dc2+ 33.Cd2 g5, porém, depois de 34.De3
Bc3 35.Tb8 Bd2 36.Tc8 Dc8 37.Dd2, o resultado mais provável
teria sido o empate.
31.Db8 Td8 32.De5
Uma
proposta de empate por repetição de jogadas? Roberto disse que não.
Que só estava ganhando algum tempo.
32.... Rg8 33.Tb8
Tf8 34.Dh5 Tf5?
Veja
essas linhas: 34.... Dc7 35.Cg3 g6 36.Bg6 hxg6 37.Dg6+ ou
34.... Dd5 35.Cf6+ Bf6 36.Bh7+ Rh8 37.Bf5+. Ambas levariam ao
empate.
Apesar
da igualdade, a posição oferecia alguns riscos às pretas. Novikov
não se deu conta, e levou um golpe tático devastador.
35.Cf6+! Tf6
Ou
35.... Bf6 36.Bf5 g6 (se 36.... gxf5 37.Df5) 37.Be4, com
vantagem decisiva. Por exemplo: 37.... Dc7 38.Bg6 hxg6 39.Dg6+, etc.
36.Bh7+ Rf8 37.Be4
De8 38.Tc8 Bd8
Quando
vi essa posição, corri para o “zap”.
“
- Mestre, você considerou 39.Dh8+? Era ganhador!”.
“
- Eu vi essa alternativa. Escolher o melhor lance, nem sempre é
fácil. Às vezes, começamos a ver fantasmas no tabuleiro!” Respondeu.
Eu
que o diga, Mestre. Essas assombrações vivem a me atormentar.
Depois
de 39.Dh8+ Re7 40.Dg7+, as brancas teriam inúmeras possibilidades
de ganho. Claro que não daria para calcular todas as variantes,
principalmente quando se está apurado no tempo, mas a frágil
situação do rei preto já justificaria tal escolha.
Veja
possíveis linhas.
a)
40.... Tf7 41.Dg5+ Tf6 42.Dc5+ Rf7 43.Dd4 Re7 44.Ta8, e as
pretas estão em zug.
b)
40.... Df7 41.Dg5 e5 42.Tb8 Bc7 43.Th8 De6 44.Th7+, com outro
zug.
39.Dc5+ Rg8 40.Dd6
Em
que pese não ter sido o melhor lance, 39.Dc5+ ainda manteve uma
vantagem relevante. Com 40.Ta8 Tf8 41.Ta6, as brancas teriam
superioridade material e posicional. Mas Roberto não encontrou o
melhor caminho, motivo pelo qual sua vantagem foi se diluindo.
40.... Tf8 41.Da6
Esse
lance dá liberdade à dama preta. Melhor teria sido 41.Tc6. Agora, a
posição oferece boas possibilidades de defesa.
41.... Dd7 42.Bd3
Dd5 43.Dc6 Dg5+ 44.Rf2
Um
erro, ou Roberto desistiu da vitória? Com 44.Rf1, as brancas ainda
poderiam jogar para vencer, em que pesem as dificuldades.
44.... Dd2+ 45.Rg3
Df4+ 46.Rg2 Dd2+ 47.Rg3 Df4+ 48.Rg2 Dd2+ 49.Rg3 Empate
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No final, o GM Geovani
Vescovi analisou a partida, deu os parabéns a Roberto e falou:
“ - Você empatou com
um jogador de 2600 de rating.”
Como leal advogado dos
meus convidados, respondo:
“ - Data venia,
Mestre Vescovi. Ele empatou, mas mereceu ganhar!”.