quinta-feira, 3 de outubro de 2024

"O enxadrista Machado de Assis"


Com a aproximação da data de realização da IV edição do torneio Aberto do Brasil Memorial Machado de Assis, julgamos por oportuno esclarecer qual a vinculação que o genial escritor brasileiro tinha com a arte de Caissa.

E ninguém melhor do que o mestre cearense Ronald Câmara para explicar isso. Transcrevemos o texto que ele publicou em 1989, em um jornal de Fortaleza, para celebrar o sesquicentenário do nascimento de Machado de Assis. 

Em tempo, o Memorial Machado de Assis foi idealizado pelo ex-presidente da FPBX Fernando Melo, também pesquisador da obra e da vida do grande escritor.


*******


 O enxadrista Machado de Assis


Por Ronald Câmara

Fortaleza (CE), 25 de junho 1989


Ao ensejo do transcurso no dia 21 de junho do sesquicentenário de nascimento do grande Machado de Assis, os meios brasileiros de comunicação renderam-lhe justas e merecidas homenagens, realçando as diversas facetas de sua fecunda atividade literária. Contudo, existe um aspecto ainda pouco conhecido de sua personalidade: o nosso maior escritor foi também um fervoroso enxadrista!

Sob a influência do extraordinário maestro português Arthur Napoleão – um virtuose do piano e um dedicado cultor da arte de Caissa – Machado de Assis iniciou-se nos segredos do tabuleiro e passou a ser um assíduo aficionado, fazendo do xadrez um sedativo espiritual e um salutar instrumento de convivência com diletos amigos.

Em recente apanhado com o título “Rua Cosme Velho 18” - endereço em que morou o escritor desde a sua fase áurea até a morte – o cronista Francisco de Assis Barbosa faz desfilar fatos e hábitos relacionados com Machado de Assis, lembrando que o Barão de Vasconcelos era seu parceiro de xadrez e cobrava as jogadas mais demoradas do escritor, recebendo como desculpa, a frase “Que quer, senhor Barão, tenho a compreensão lenta” …

Já o polígrafo Raymundo Magalhães Júnior, no terceiro volume de sua alentada biografia “Vida e Obra de Machado de Assis”, transcreve os seguintes chistosos versos, remetidos da localidade fluminense de Friburgo por Joaquim Serra, exortando ao seu amigo Machado a deixar as preocupações do dia a dia, desde os quefazeres do Ministério da Viação até a constante prática enxadrística, no sentido de subir para o retiro serrano:

“Machado, sobe a serra,

que torrado

ficarás desta vez!

Manda o ministro à fava,

meu Machado.

Manda à fava o Clube de Xadrez.

E vem passar aqui neste montado

pelo menos um mês!”

Reconhecido como o chefe superior e inconteste de nossa literatura, a ponto do crítico Cornélio Pena chegar ao extremo ao dizer: “No princípio era o nada, depois, veio Machado de Assis, depois, outra vez o nada” - o imortal criador da singular Capitu, “de olhos de ressaca”, entrou no mundo dos trebelhos sem maiores pretensões, a não ser de dispor de mais uma forte de estesia e entretenimento, e terminou tendo – ó força do destino! - uma participação destacada no primeiro torneio de xadrez efetuado no Brasil!

Na precursora revista “Xeque-Mate”, em maio de 1925, o seu companheiro de tertúlias enxadrísticas Caldas Viana – idealizador da “Variante Rio de Janeiro” na Ruy Lopez e durante muitos anos reverenciado com uma prova clássica de âmbito nacional – deixou o seguinte testemunho:

“Assim foi que, em janeiro de 1880, Arthur Napoleão pôde reunir em sua casa na Rua Marquês de Abrantes (Rio de Janeiro), um grupo de admiradores para um pequeno torneio, no qual tomou parte Machado de Assis, a mais pura glória das letras brasileiras. Esse torneio de família jamais terminou, mas merece ser assinalado como o primeiro ensaio de armas”.

A respeito dessa histórica competição, é digno de ser recordado o registro feito pelo próprio Arthur Napoleão, que foi também pioneiro como colunista de xadrez em sua seção na Revista Musical, em 17 de janeiro de 1880:

“Está se efetuando atualmente um torneio de xadrez entre seis dos melhores amadores desta corte. Cada um tem a jogar quatro partidas com o outro e, no resultado final, será considerado vencedor o que maior número de partidas tiver ganho. A situação dos jogadores nesta data é a seguinte: 1º, Machado de Assis, com 6 pontos. 2º, Arthur Napoleão, com 5,5. 3º, Caldas Viana, com 4,5. 4º, Carlos Pradez, com 4. E 5º/6º, L. Navarro e Dr. Palmares, com um ponto cada.”

Por estímulo recebido também de Arthur Napoleão, o autor de Brás Cubas dedicou-se ainda à composição de problemas, figurando na famosa coletânea “Caissana Brasileira” organizada por aquele incansável divulgador, reunindo as melhores produções de autores brasileiros.

Na revista carioca “Xeque”, em julho de 1947, o saudoso problemista mineiro J B Santiago publicou uma página denominada “Ramalhete de Saudades”, destacando alguns trabalhos daqueles que foram, segundo sua expressão, “semeadores do passado que transformaram nossos tabuleiros em roseirais da poesia do xadrez”.

Desse ramalhete, extraímos o problema estampado no diagrama de autoria de Machado de Assis, no qual as brancas jogam e dão mate em dois lances. É possível que alguns leitores mais exigentes considerem ingênua essa composição, deixando de atentar para a circunstância de ter sido feita numa época em que o xadrez no Brasil ensaiava os primeiros passos e, mesmo assim, conseguiu atrair a sensibilidade e inteligência do genial predestinado Joaquim Maria Machado de Assis!




*******





Aberto do Brasil

IV Memorial Machado de Assis


Isso posto, convidamos a todos para participar desse importante evento. Além de ser classificatório para o Campeonato Brasileiro Absoluto, o torneio distribuirá R$ 7.000,00 em prêmios. Para os jogadores do estado da Paraíba, ele também será válido pelo Campeonato Paraibano de Xadrez Clássico.

Confira o regulamento no link abaixo:

https://reinodecaissa.blogspot.com/2024/07/iv-aberto-do-brasil-memorial-machado-de.html


Chess results:

https://chess-results.com/tnr969897.aspx?lan=10


*******


Em tempo: a solução do problema começa com o lance Bb5.









Nenhum comentário:

Postar um comentário