quinta-feira, 19 de janeiro de 2023

Xadrez é cultura?

 Antes de tentar responder a essa pergunta, é necessário contextualizar as razões pelas quais ela foi feita.

No mês de outubro de 2022, a Fundação Espaço Cultural – FUNESC lançou um edital para ocupação dos boxes do Espaço Cultural José Lins do Rego. A Federação Paraibana de Xadrez resolveu participar do referido processo seletivo, tendo em vista seu interesse em ter um espaço físico para a prática do jogo.

O item 4.1.3 do referido edital estabelecia que “as propostas com atividades culturais teriam prioridade na avaliação e seleção de cada requerimento”. Em razão disso e em função do desenlace da seleção, a questão levantada no título é oportuna.

De pronto, posso afirmar categoricamente que o xadrez é uma atividade cultural. São inúmeros os estudos acadêmicos que confirmam essa afirmação. Mas algumas citações resumem e refletem com clareza a inserção do jogo na cultura. Uma das mais famosas é a do físico J.R.Bowman, que diz:

A impossibilidade de conhecer o melhor lance em uma partida de xadrez é o que eleva o xadrez de um jogo científico para uma forma de arte, um meio de expressão individual”.

Anatoli Karpov, ex-campeão mundial, e Evgueni Guik escreveram o livro “Mosaico Enxadrístico”, e no prólogo fizeram a seguinte ponderação:

Nas discussões, com frequência se levanta a seguinte questão: o que é o xadrez: esporte, arte ou ciência?

Cada um destes três elementos está presente no antigo e sempre jovem jogo, mas em diferentes situações prevalece algum deles.

O participante de competições classificatórias encara o xadrez como esporte. O grande mestre que sacrifica com elegância a dama ou o compositor que cria uma miniatura veem no xadrez antes de tudo uma arte. O pesquisador que elabora uma nova ideia de abertura ou analisa um complicado final dirá que é ciência”.



Daí podemos afirmar que o xadrez oferece ao seu praticante a oportunidade de desfrutar de uma atividade que envolve o esporte, a arte e a ciência a um só tempo.

Retornemos ao edital. A proposta da Federação Paraibana de Xadrez foi desclassificada, e a decisão da comissão de seleção se baseou em um parecer jurídico que afirmou o seguinte:

A parte recorrente tem como atividade Xadrez, também conhecido como xadrez ocidental ou xadrez internacional, é um esporte, arte e também ciência, enquanto que a vencedora tem como atividade principal a DANÇA. Portanto, a atividade de XADREZ É ANTES DE TUDO UM ESPORTE e não se enquadra quando seu concorrente detém de um enquadramento específico por se tratar de DANÇA.”

É importante esclarecer que a primeira parte do referido parecer é uma transcrição literal de um verbete da enciclopédia livre Wikipédia. Já a afirmação da segunda parte, a que diz que o XADREZ É ANTES DE TUDO UM ESPORTE, provavelmente seja decorrente de uma interpretação personalíssima do autor do parecer, pois nem o próprio verbete no qual ele foi baseado faz tal afirmação. Aliás, essa é uma assertiva que não existe na literatura especializada. Então, entendo que tal interpretação foi certamente baseada na ordem das palavras (esporte, arte e ciência), o que, convenhamos, é uma visão extremamente frágil, para dizer o mínimo.

Mas o entendimento de que o XADREZ É ANTES DE TUDO UM ESPORTE levanta outra questão. Para justificar sua posição, o autor excluiu o esporte do rol das atividades culturais. Logo o esporte, uma das mais importantes manifestações socioculturais da humanidade! É evidente que as instalações físicas do Espaço Cultural José Lins do Rego não são direcionadas para a prática de atividades esportivas em geral, mas são perfeitamente adequadas para abrigar o xadrez, haja vista se tratar de uma atividade eminentemente mental.

Por fim, de se lamentar a postura de um órgão que visa difundir e estimular as atividades culturais, a qual se utilizou de uma justificativa eivada de falácias para discriminar uma atividade tão nobre como o jogo de xadrez. Vida que segue.


Marcello Urquiza

Presidente da FPBX





3 comentários:

  1. O parece jurídico tem certa razão, mas abordou a questão de uma forma não tão feliz. Acredito que a ideia não seja abordar o fato de o xadrez ser um esporte,mas o fato de que dentro do contexto social brasileiro ele não ser tão representativo quanto à dança, que venceu o certame. Cultura, de acordo com o Dr. Google é o conjunto de padrões de comportamento, crenças, conhecimentos, costumes etc. que distinguem um grupo social. No nosso grupo social, xadrez perderia inclusive para um espaço estilo "Museu do futebol". Mesmo assim, sua tentativa foi nobre, e como qualquer aficionado pelo jogo, ficamos incomodados quando a autoridade pública não reconhece a importância que um espaço desses teria para a difusão de nossa arte. Continue tentando.

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    1. Entendo seu comentário. Mas o edital não estabeleceu nenhuma régua de importância, atribuindo graus diferentes de acordo com a atividade desenvolvida, mesmo porque tal critério seria subjetivo, como você bem afirmou.
      A instituição deveria se valer dos critérios objetivos estabelecidos no edital, e não usar um subterfúgio falacioso para justificar sua decisão.

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  2. Sempre trabalhei estas três nuances: xadrez é esporte, arte e ciência. O aspecto mais notável é a nomeação das peças, que acompanhou as sociedades durante 1500 anos. As peças representam personagens culturais e sociais do seu período. Lembremos dos primeiros jogos de peças do shatrang que evoluiu para o xadrez moderno.

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