O presente artigo, cujo título talvez pareça
um tanto exagerado, tem por objetivo expressar a minha perplexidade diante de
um fato inusitado que vem despertando a atenção da comunidade enxadrística da
Paraíba: o sensacional desempenho alcançado pelo jovem enxadrista Luiz Antônio
da Silva Tomaz em torneios recentes, desempenho este que, a meu ver, justifica
plenamente o epíteto que ora lhe outorgo: o de “Fischer paraibano”!
Antes de mais nada, apresentemos um breve
resumo da trajetória desse talentoso jogador: Luiz Antônio Tomaz nasceu em João
Pessoa-PB, em 1997, possuindo, atualmente, apenas 20 anos de idade. Em 2008,
então com 10 anos, Tomaz teve seu primeiro contato com o jogo, por meio das
aulas do projeto Xadrez nas Escolas,
implementado em 2005 nas escolas públicas municipais de João Pessoa, sob a coordenação
do Mestre FIDE Francisco Cavalcanti.
O garoto Tomaz aprendeu o movimento das peças com
a professora Fátima Kobayashi, que logo percebeu sua dedicação e força de
vontade em querer aprender cada vez mais. A Profa. Kobayashi passou então a investir
no aprimoramento do seu jovem aluno, dando-lhe livros de xadrez para estudar e
levando-o para participar de torneios, a fim de promover a melhora do seu nível
técnico.
Graças a esse importante incentivo, os bons
resultados começaram a surgir: Tomaz em pouco tempo começou a se destacar nas
competições escolares, ganhando várias delas. Em 2008, 2009 e 2011 ele sagrou-se
campeão dos Jogos Escolares Municipais de João Pessoa, e em 2011 e 2013 venceu
os Jogos Escolares da Paraíba. Nos anos seguintes, ele foi bicampeão do
Nordeste nos jogos dos Institutos Federais, por equipes, e campeão nacional na
categoria individual, nesse mesmo tipo de competição.
A essa altura, o leitor deve estar se
perguntando: O que tudo isso tem a ver com Bobby Fischer? Seriam esses
resultados obtidos por Luiz Tomaz, em meros torneios escolares, suficientes
para fazê-lo ser comparado ao mítico ex-Campeão Mundial de xadrez, considerado
por muitos o maior enxadrista de todos os tempos? A resposta é não. Tal
comparação está baseada em outros fatores, porém, para explicá-la, será preciso
relembrar um pouco da trajetória do genial Grande Mestre norte-americano.
Vamos lá: no ano de 1970, após quase dois anos
afastado de competições importantes, Bobby Fischer retorna à arena internacional
e dá início à marcha triunfal que culminaria com a conquista do título de
Campeão Mundial, no épico match
contra Boris Spassky, em 1972, na Islândia. Ao contrário do que se poderia
esperar de alguém que atravessara um longo período de inatividade, Fischer
voltou jogando melhor do que nunca, e começou a produzir verdadeiros “milagres”
que causaram assombro ao mundo do xadrez, atemorizando sobretudo os soviéticos,
que viam a posse do título mundial seriamente ameaçada pela ascensão do
formidável rival.
Primeiramente, Fischer bateu o grande Tigran
Petrosian por 3x1 (duas vitórias e dois empates) no chamado “Match do Século”,
um histórico confronto ocorrido na antiga Iugoslávia, entre as equipes da União
Soviética e do Resto do Mundo. Em seguida, no primeiro “Campeonato Mundial
relâmpago” extraoficial disputado em Herceg Novi, Bobby teve uma atuação
brilhante, vencendo o torneio com 4,5 pontos à frente do segundo colocado,
Mikhail Tal. De um total de 21 jogos, ele ganhou 17 e perdeu apenas uma
partida, para Viktor Kortchnoi, varrendo de zero reis do relâmpago tais como
Tal, Petrosian e Smyslov. Depois disso, Fischer conquistou também o primeiro
lugar nos torneios de Rovinj/Zagreb e de Buenos Aires, com 2 e 3,5 pontos à
frente dos vice-campeões, respectivamente.
Mas foi com o Interzonal de Palma de Mallorca
(pronuncia-se “maiorca”), na Espanha, que o mito da invencibilidade de Fischer
se consolidou. Nesse evento, que contou com a participação da elite mundial, o
gênio norte-americano obteve mais uma atuação espetacular, finalizando em 1º
lugar com larga margem (18,5 pontos em 23 possíveis, com 3,5 pontos à frente do
segundo colocado), classificando-se para o Torneio de Candidatos de 1971, a
última barreira a ser transposta para que ele se tornasse o desafiante do
Campeão Mundial Spassky.
No Torneio de Candidatos, Bobby simplesmente
arrasou dois adversários de primeira categoria, os GMs Mark Taimanov e Bent
Larsen, derrotando ambos pelo estrondoso placar de 6x0!! De forma absolutamente
surpreendente, esse titã do tabuleiro protagonizou uma série de 20 vitórias
consecutivas em competições de nível mundial - as 7 últimas partidas em Palma
de Mallorca, as 12 vitórias sobre Taimanov e Larsen e a vitória na primeira
partida da final do Torneio de Candidatos, sobre Petrosian - um feito sem
precedentes na história do xadrez e um recorde que dificilmente será superado.
Os resultados acima mencionados constituem um
verdadeiro fenômeno competitivo. E é aí que voltamos a falar de Luiz Tomaz: ao
observarmos seus resultados recentes, é possível constatar que, guardadas as
devidas proporções, Tomaz vem obtendo, em âmbito estadual, resultados similares
à sequência de triunfos que Fischer produziu em escala global.
Nos últimos quatro torneios de ritmo rápido de
que participou, realizados no período entre agosto de 2017 e janeiro de 2018,
Tomaz, que foi campeão em todos eles, disputou um total de 27 partidas, das
quais venceu 25, cedendo apenas dois empates, um deles em posição claramente
superior, já que tinha uma peça a mais. Nos últimos dois desses torneios, as
duas primeiras etapas do Circuito FPBX de Xadrez rápido, foram 12 vitórias em
12 partidas! No decorrer dessa série vitoriosa, o jovem pessoense teve a
oportunidade de sobrepujar nomes da elite do xadrez paraibano, como Douglas
Torres, Arthur Olinto e Doriedson Lemos, bem como o Mestre Nacional Evandro
Silva. Os números impressionam, caros leitores: são
26 pontos ganhos em 27 disputados, um inacreditável índice de aproveitamento de
96,3%.
Na modalidade de xadrez clássico, o nosso “Fischer
paraibano” também tem mostrado sua força, conquistando, nos últimos anos,
vitórias contra alguns dos principais enxadristas do Nordeste, a exemplo do Mestre
Nacional pernambucano Marcelo Bouwman, Campeão do Nordeste em 2017, e dos
Mestres FIDE Paulo Jatobá e Roberto Andrade. E, por falar em xadrez clássico,
Tomaz ganhou dois torneios dessa modalidade em 2017, o I Memorial Mikhail
Botvinnik (com 100% de aproveitamento) e a II Copa Caldas Viana de Xadrez, um
torneio de sistema eliminatório que contou com a participação de 16 jogadores,
dentre eles o autor destas linhas.
Uma outra característica de Luiz Tomaz que
lembra Bobby Fischer é sua determinação em jogar sempre em busca da vitória. Assim
como Fischer, o 1º lugar dos torneios é sua meta, e para atingi-la Tomaz
serve-se de um xadrez sólido, com um bom entendimento tático e raramente caindo
em apuro de tempo. Seu repertório de aberturas é versátil, com o emprego de
aberturas e defesas variadas, e ele maneja bem as suas peças tanto nas posições
abertas, de natureza mais tática, quanto nas posições fechadas, de caráter mais
posicional. Diante de posições críticas ou complicadas, que exigem um cálculo
preciso, Tomaz exibe serenidade e segurança, como se a própria deusa Caíssa o
tomasse pela mão e o guiasse pelo tortuoso labirinto das 64 casas, rumo à
vitória!
Apesar de não seguir uma rotina de
treinamentos e estudo da teoria, não tenho dúvidas de que Luiz Antônio Tomaz
tem potencial para continuar progredindo e para alcançar o título de Mestre
FIDE e até de Mestre Internacional, devido à sua juventude, força de vontade e
capacidade de aprendizado. Por enquanto falta-lhe o título, pois força de
mestre ele já tem, fato comprovado pelos sucessos que vem obtendo contra os
Mestres Nacionais e Mestres da FIDE paraibanos e nordestinos.
No entanto, sabemos o quanto é árduo e cheio
de obstáculos o caminho dos jovens talentos brasileiros que tentam atingir a
maestria enxadrística, sem patrocínio de instituições públicas ou privadas e
muitas vezes sem apoio dos amigos e familiares. Como ainda não dispomos, no
Brasil, de uma estrutura adequada para financiar a formação e o desenvolvimento
de enxadristas promissores, irei torcer para que Luiz Tomaz consiga construir
uma carreira profissional bem-sucedida, para que assim, com seu sustento
material garantido, ele possa continuar nos presenteando com belas e exitosas
atuações nos tabuleiros. Contudo, independentemente do que o futuro lhe
reserva, uma coisa é certa: se Fischer conquistou o mundo, Tomaz conquistou a
Paraíba!
(*) Luiz Fábio Jales é servidor público federal e enxadrista.
Muito bom o que foi escrito.
ResponderExcluirParabéns, mestre Jales! Seu artigo conquista a todos nós!
ResponderExcluirÓtimo artigo! Belas palavras!
ResponderExcluirQue bom que gostaram, meus caros. Um fraterno abraço!
ResponderExcluirExcelente matéria em que o articulista desenvolve sua tese lastreada em fatos e registros históricos. O Fischer Paraibano (Luiz Antonio Tomáz) terá uma sólida carreira na vida profissional e enxadrística, como é desejo da Deusa Caíssa. Parabéns Mestre Jales.
ResponderExcluirObrigado, mestre Bira!
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