sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

O Fischer paraibano!

Por Luiz Fábio Jales (*)


O presente artigo, cujo título talvez pareça um tanto exagerado, tem por objetivo expressar a minha perplexidade diante de um fato inusitado que vem despertando a atenção da comunidade enxadrística da Paraíba: o sensacional desempenho alcançado pelo jovem enxadrista Luiz Antônio da Silva Tomaz em torneios recentes, desempenho este que, a meu ver, justifica plenamente o epíteto que ora lhe outorgo: o de “Fischer paraibano”!
Antes de mais nada, apresentemos um breve resumo da trajetória desse talentoso jogador: Luiz Antônio Tomaz nasceu em João Pessoa-PB, em 1997, possuindo, atualmente, apenas 20 anos de idade. Em 2008, então com 10 anos, Tomaz teve seu primeiro contato com o jogo, por meio das aulas do projeto Xadrez nas Escolas, implementado em 2005 nas escolas públicas municipais de João Pessoa, sob a coordenação do Mestre FIDE Francisco Cavalcanti.
O garoto Tomaz aprendeu o movimento das peças com a professora Fátima Kobayashi, que logo percebeu sua dedicação e força de vontade em querer aprender cada vez mais. A Profa. Kobayashi passou então a investir no aprimoramento do seu jovem aluno, dando-lhe livros de xadrez para estudar e levando-o para participar de torneios, a fim de promover a melhora do seu nível técnico.
Graças a esse importante incentivo, os bons resultados começaram a surgir: Tomaz em pouco tempo começou a se destacar nas competições escolares, ganhando várias delas. Em 2008, 2009 e 2011 ele sagrou-se campeão dos Jogos Escolares Municipais de João Pessoa, e em 2011 e 2013 venceu os Jogos Escolares da Paraíba. Nos anos seguintes, ele foi bicampeão do Nordeste nos jogos dos Institutos Federais, por equipes, e campeão nacional na categoria individual, nesse mesmo tipo de competição.
A essa altura, o leitor deve estar se perguntando: O que tudo isso tem a ver com Bobby Fischer? Seriam esses resultados obtidos por Luiz Tomaz, em meros torneios escolares, suficientes para fazê-lo ser comparado ao mítico ex-Campeão Mundial de xadrez, considerado por muitos o maior enxadrista de todos os tempos? A resposta é não. Tal comparação está baseada em outros fatores, porém, para explicá-la, será preciso relembrar um pouco da trajetória do genial Grande Mestre norte-americano.
Vamos lá: no ano de 1970, após quase dois anos afastado de competições importantes, Bobby Fischer retorna à arena internacional e dá início à marcha triunfal que culminaria com a conquista do título de Campeão Mundial, no épico match contra Boris Spassky, em 1972, na Islândia. Ao contrário do que se poderia esperar de alguém que atravessara um longo período de inatividade, Fischer voltou jogando melhor do que nunca, e começou a produzir verdadeiros “milagres” que causaram assombro ao mundo do xadrez, atemorizando sobretudo os soviéticos, que viam a posse do título mundial seriamente ameaçada pela ascensão do formidável rival.
Primeiramente, Fischer bateu o grande Tigran Petrosian por 3x1 (duas vitórias e dois empates) no chamado “Match do Século”, um histórico confronto ocorrido na antiga Iugoslávia, entre as equipes da União Soviética e do Resto do Mundo. Em seguida, no primeiro “Campeonato Mundial relâmpago” extraoficial disputado em Herceg Novi, Bobby teve uma atuação brilhante, vencendo o torneio com 4,5 pontos à frente do segundo colocado, Mikhail Tal. De um total de 21 jogos, ele ganhou 17 e perdeu apenas uma partida, para Viktor Kortchnoi, varrendo de zero reis do relâmpago tais como Tal, Petrosian e Smyslov. Depois disso, Fischer conquistou também o primeiro lugar nos torneios de Rovinj/Zagreb e de Buenos Aires, com 2 e 3,5 pontos à frente dos vice-campeões, respectivamente.
Mas foi com o Interzonal de Palma de Mallorca (pronuncia-se “maiorca”), na Espanha, que o mito da invencibilidade de Fischer se consolidou. Nesse evento, que contou com a participação da elite mundial, o gênio norte-americano obteve mais uma atuação espetacular, finalizando em 1º lugar com larga margem (18,5 pontos em 23 possíveis, com 3,5 pontos à frente do segundo colocado), classificando-se para o Torneio de Candidatos de 1971, a última barreira a ser transposta para que ele se tornasse o desafiante do Campeão Mundial Spassky.
No Torneio de Candidatos, Bobby simplesmente arrasou dois adversários de primeira categoria, os GMs Mark Taimanov e Bent Larsen, derrotando ambos pelo estrondoso placar de 6x0!! De forma absolutamente surpreendente, esse titã do tabuleiro protagonizou uma série de 20 vitórias consecutivas em competições de nível mundial - as 7 últimas partidas em Palma de Mallorca, as 12 vitórias sobre Taimanov e Larsen e a vitória na primeira partida da final do Torneio de Candidatos, sobre Petrosian - um feito sem precedentes na história do xadrez e um recorde que dificilmente será superado. 
Os resultados acima mencionados constituem um verdadeiro fenômeno competitivo. E é aí que voltamos a falar de Luiz Tomaz: ao observarmos seus resultados recentes, é possível constatar que, guardadas as devidas proporções, Tomaz vem obtendo, em âmbito estadual, resultados similares à sequência de triunfos que Fischer produziu em escala global.
Nos últimos quatro torneios de ritmo rápido de que participou, realizados no período entre agosto de 2017 e janeiro de 2018, Tomaz, que foi campeão em todos eles, disputou um total de 27 partidas, das quais venceu 25, cedendo apenas dois empates, um deles em posição claramente superior, já que tinha uma peça a mais. Nos últimos dois desses torneios, as duas primeiras etapas do Circuito FPBX de Xadrez rápido, foram 12 vitórias em 12 partidas! No decorrer dessa série vitoriosa, o jovem pessoense teve a oportunidade de sobrepujar nomes da elite do xadrez paraibano, como Douglas Torres, Arthur Olinto e Doriedson Lemos, bem como o Mestre Nacional Evandro Silva. Os números impressionam, caros leitores: são 26 pontos ganhos em 27 disputados, um inacreditável índice de aproveitamento de 96,3%.
Na modalidade de xadrez clássico, o nosso “Fischer paraibano” também tem mostrado sua força, conquistando, nos últimos anos, vitórias contra alguns dos principais enxadristas do Nordeste, a exemplo do Mestre Nacional pernambucano Marcelo Bouwman, Campeão do Nordeste em 2017, e dos Mestres FIDE Paulo Jatobá e Roberto Andrade. E, por falar em xadrez clássico, Tomaz ganhou dois torneios dessa modalidade em 2017, o I Memorial Mikhail Botvinnik (com 100% de aproveitamento) e a II Copa Caldas Viana de Xadrez, um torneio de sistema eliminatório que contou com a participação de 16 jogadores, dentre eles o autor destas linhas.
Uma outra característica de Luiz Tomaz que lembra Bobby Fischer é sua determinação em jogar sempre em busca da vitória. Assim como Fischer, o 1º lugar dos torneios é sua meta, e para atingi-la Tomaz serve-se de um xadrez sólido, com um bom entendimento tático e raramente caindo em apuro de tempo. Seu repertório de aberturas é versátil, com o emprego de aberturas e defesas variadas, e ele maneja bem as suas peças tanto nas posições abertas, de natureza mais tática, quanto nas posições fechadas, de caráter mais posicional. Diante de posições críticas ou complicadas, que exigem um cálculo preciso, Tomaz exibe serenidade e segurança, como se a própria deusa Caíssa o tomasse pela mão e o guiasse pelo tortuoso labirinto das 64 casas, rumo à vitória!
Apesar de não seguir uma rotina de treinamentos e estudo da teoria, não tenho dúvidas de que Luiz Antônio Tomaz tem potencial para continuar progredindo e para alcançar o título de Mestre FIDE e até de Mestre Internacional, devido à sua juventude, força de vontade e capacidade de aprendizado. Por enquanto falta-lhe o título, pois força de mestre ele já tem, fato comprovado pelos sucessos que vem obtendo contra os Mestres Nacionais e Mestres da FIDE paraibanos e nordestinos.
No entanto, sabemos o quanto é árduo e cheio de obstáculos o caminho dos jovens talentos brasileiros que tentam atingir a maestria enxadrística, sem patrocínio de instituições públicas ou privadas e muitas vezes sem apoio dos amigos e familiares. Como ainda não dispomos, no Brasil, de uma estrutura adequada para financiar a formação e o desenvolvimento de enxadristas promissores, irei torcer para que Luiz Tomaz consiga construir uma carreira profissional bem-sucedida, para que assim, com seu sustento material garantido, ele possa continuar nos presenteando com belas e exitosas atuações nos tabuleiros. Contudo, independentemente do que o futuro lhe reserva, uma coisa é certa: se Fischer conquistou o mundo, Tomaz conquistou a Paraíba!

(*) Luiz Fábio Jales é servidor público federal e enxadrista.

6 comentários:

  1. Parabéns, mestre Jales! Seu artigo conquista a todos nós!

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  2. Que bom que gostaram, meus caros. Um fraterno abraço!

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  3. Excelente matéria em que o articulista desenvolve sua tese lastreada em fatos e registros históricos. O Fischer Paraibano (Luiz Antonio Tomáz) terá uma sólida carreira na vida profissional e enxadrística, como é desejo da Deusa Caíssa. Parabéns Mestre Jales.

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