Os tempos de hoje são os melhores para os aficionados do xadrez: torneios de elite com comentários online e ao vivo, aplicativos com força de GM para ajudar a aplacar a "cegueira enxadrística", grupos de mensagens para trocar informações e ideias; e tudo de graça! A era da informação plena é muito benéfica para os admiradores do nosso amado jogo.
Pensava nessas coisas enquanto assistia
no feriado pátrio a algumas partidas da segunda rodada da Copa do Mundo, que
trouxe surpresas como a eliminação precoce de Anand e Karjakin frente a jovens
talentos (ainda mais jovens que Karjakin!). Houve também ações sem um sentido
claro, como a proposta de empate feita pelo GM russo Anton Demchenko (jogando
de brancas e precisando ganhar para não ser eliminado) ao lendário Kramnik após
apenas dez lances de partida! Estaria Demchencko conformado com a eliminação e
apressou-se em garantir pelo menos um empate contra o ex-campeão mundial como souvenir de sua participação em Tblisi?
Nem o próprio Kramnik soube explicar!
O comentarista (GM Sokolov, à direita)
pressiona Kramnik por respostas
|
Como falei no outro dia, torneios
KO trazem os (às vezes) sobre-humanos GMs a um terreno bem mais conhecido para
nós outros, aficionados: o das dúvidas e premências humanas. Quando se trata do
nosso intrincado sistema emocional, não existem grandes mestres.
Entretanto, aqueles jogadores que
isolam suas emoções e conseguem deixá-las confortavelmente inacessíveis durante
uma partida, colhem bons frutos nos torneios como esta Copa do Mundo. Vejamos o
caso da nossa preferida
GM Yifan Hou. Nas partidas clássicas, ela esteve sempre um passinho à
frente do fantástico Aronian, mas faltou um pouco de frieza quando jogou com
peças brancas, pois poderia ter complicado mais a partida para seu adversário
ilustre, em vez de tentar sua sorte nos tie-breaks.
Nas partidas rápidas, a técnica enxadrística, e emocional, do atual nº 2 do
mundo prevaleceu de uma maneira que não foi vista nas partidas clássicas.
As esperanças latino americanas
também se esgotaram nessa segunda rodada, quando os talentosos Jorge Cori
(Perú) e Lázaro Bruzon (Cuba) tiveram que inclinar seus reis frente aos seus
difíceis adversários do Top 10
mundial, Grischuck (Rússia) e Nakamura (EUA), respectivamente. Mas, assim como
fez Hou frente a Aronian, os latinos só foram derrotados nas partidas rápidas
de desempate.
O joio e o trigo estão começando a se
separar: agora só 32 dos 128 jogadores iniciais permanecem na disputa. Lá no
topo, único com 100% de aproveitamento, Magnus Carlsen parece estar a jogar um
torneio de treinamento. Tem mostrado um xadrez de clara superioridade técnica,
digno de Capablanca, que faz um capivara como eu achar que é fácil asfixiar
sobre o tabuleiro as peças de um GM forte e experiente como o russo Alexey
Dreev.
O campeão do mundo parece estar se divertindo até agora |
A próxima rodada (terceira) coincidiu
com o final de semana! Mais uma alegria para os aficionados, que poderão ver
embates como Kramnik x Ivanchuk, em full
HD, comentado por um GM da classe de Ivan Sokolov.
Mas pelo que todos ansiamos mesmo são
os dramas, que certamente virão, quando os dígitos no visor começarem a mudar
rápido demais, quando o peão esquecido alcançar a sétima fila, ou um garfo
fatal aparecer dois lances à frente. Então, novamente, até o maior dos capivaras
vai sentir-se estranhamente próximo ao mais forte dos GMs: no final somos
apenas como crianças pelejando num jogo que ainda estamos longe de dominar!
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