Há muitos anos, muito mais do que minha memória afetiva
parece contar, eu começava a perceber a real dimensão que o xadrez tinha.
Deixava de ser um jogo entre primos e amigos e mostrava sua faceta esportiva,
com torneios, federação internacional e, claro, campeão mundial! Busquei saber
o nome dele: Garry Kasparov!
Kasparov foi o homem a ser batido no mundo das 64 casas
durante mais de vinte anos, boa parte deles como campeão mundial. Aposentou-se
da prática competitiva clássica em 2005 (ainda com nº 1 o mundo) e só a partir
de 2015 voltou a jogar competições rápidas, não oficiais, a título de exibição:
as pessoas adoram ver os ídolos voltando à atividade que os consagrou!
O que o velho ‘Ogro de Baku’ esteve fazendo por todo esse
tempo?
Ah, ele fez coisas não menos difíceis que se manter no topo
do xadrez: tornou-se ativista político e opositor de Putin na Rússia; passou a
promover o xadrez como ferramenta de apoio à tomada de decisões e ao aprimoramento
pessoal; escreveu livros, o mais recente
deles sobre o impacto da evolução das máquinas e da inteligência artificial
(em seu sentido amplo) na vida humana, hoje e nos anos que virão. Os novos desafios
que abraçou ampliaram o alcance de suas ideias e ainda levaram o xadrez junto;
por mais que quisesse, não há como dissociar sua imagem à do jogo.
Após tantos anos sem competir oficialmente, Kasparov aceitou
o convite para participar da etapa rápida e
blitz do Grand Chess Tour, que se
encerrou ontem. Um ato de coragem, é necessário admitir, pois enfrentar a elite
atual, com nomes como Aronian, Caruana, Karjakin e Nakamura, mete medo em
qualquer jogador ativo, imagine num veterano aposentado há 12 anos!
“Mas esperem, o veterano em questão é Garry Kasparov!”
Sempre se espera muito dele, como antes foi esperado de
outros mestres que se ausentaram das competições por longos períodos. O mais
famoso deles, Bobby
Fischer, abandonou quase que completamente o jogo no instante seguinte à
conquista do título mundial em 1972 e, até sua morte em
2008, sua áurea de invencibilidade permaneceu incólume.
Talvez a história de Fischer ainda ronde a mente do velho
Ogro, que era fã do norte americano, e por isso mesmo ele tenha aceitado o
convite, colocado sua cara a tapas, como se diz, ou mais propriamente, colocando
seu rei a mates!
Kasparov não passou vergonha, mostrou vontade de vencer,
ideias e jogadas aguçadas, mas deixou o peso do tempo agir de forma
irrevogável! Não o peso de seus 54 anos, ou da longa inatividade, mas o tempo
do relógio, que é inexorável! Quando a seta cai, ou o mostrador começa a
piscar, é o fim. Assim, apurado de tempo em quase todas as partidas, estragou
posições vantajosas e defendeu-se mal noutras em que podia ter salvo o meio
ponto.
O espetáculo, porém, foi garantido. Milhares de pessoas
seguiram as transmissões online do evento, que era coisa rara quando Kasparov
ainda era campeão do mundo. Então, ainda mais que as jogadas no tabuleiro, valeu
para rever os trejeitos da lenda, suas famosas caretas, seu olhar intimidador.
Por um momento, pareceu que ele nunca esteve ausente.
Quando aparecerá novamente? Quem sabe? O velho Ogro
levantou-se afinal, recolocou o relógio no pulso, pegou seu paletó e seguiu
pensando nos lances que fervilhavam na ainda poderosa mente. Não nos deixe
esperando demais, Garry, os velhos e jovens aficionados precisam ver mais da
intensa paixão que emana em cada gesto teu perante o tabuleiro. O resultado aqui
é o que menos importa: em termos de xadrez, você não tem mais nada a nos
provar!
(*) Cronista e enxadrista cearense, radicado em Macaé (RJ), Rewbenio Frota é editor do blog Lances quase inocentes e colaborador do blog Reino de Caíssa.
Que belo texto deste rapaz! É Garry, a vida nos prega peças. Quando Fisher voltou para reviver aquela final com Boris, Kasparov, no auge, fora um pouco rude ao afirmar que o xadrez de Fischer estava capenga e outras coisas mais. Sei que não disse por maldade, mas um campeão daquela estatura tem que ter cuidado com as palavras. Voltou Garry. e ao contrário do que fez com Bob, ninguém malfadou a sua volta. Vida que segue, sem Garry? Tenho certeza que sim. Abs. Zirpoli.
ResponderExcluirMais um belo texto do nosso amigo Frota, e sobre um assunto que atraiu recentemente a atenção de toda a comunidade enxadristica mundial: o retorno de Kasparov, considerado por muitos o maior gênio do xadrez em todos os tempos, às competições. E não uma competição qualquer: uma competição contra a elite do xadrez mundial. Se parado todos esses anos ele ainda conseguiu dar trabalho aos superGMs, se voltar à ativa não tenho dúvidas de que poderá ser tornar um potencial candidato ao título máximo do xadrez. Embora, como o autor bem observou, Kasparov não tenha nada mais a nos provar, não custa sonhar e esperar pra ver se o retorno definitivo acontece.
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirMuito bom, Rewbenio. Você é o cara. Parabéns pelo texto.
ResponderExcluirMuito bom, Rewbenio. Você é o cara. Parabéns pelo texto.
ResponderExcluirÉ um texto que emana vida.
ResponderExcluirParabéns, Mestre Rewbenio! Lembrar Fischer, neste seu belo texto, me deixou emocionado!
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