sábado, 19 de agosto de 2017

Os ogros também envelhecem

Por Rewbenio Frota (*)


Há muitos anos, muito mais do que minha memória afetiva parece contar, eu começava a perceber a real dimensão que o xadrez tinha. Deixava de ser um jogo entre primos e amigos e mostrava sua faceta esportiva, com torneios, federação internacional e, claro, campeão mundial! Busquei saber o nome dele: Garry Kasparov!

Kasparov foi o homem a ser batido no mundo das 64 casas durante mais de vinte anos, boa parte deles como campeão mundial. Aposentou-se da prática competitiva clássica em 2005 (ainda com nº 1 o mundo) e só a partir de 2015 voltou a jogar competições rápidas, não oficiais, a título de exibição: as pessoas adoram ver os ídolos voltando à atividade que os consagrou!

O que o velho ‘Ogro de Baku’ esteve fazendo por todo esse tempo?

Ah, ele fez coisas não menos difíceis que se manter no topo do xadrez: tornou-se ativista político e opositor de Putin na Rússia; passou a promover o xadrez como ferramenta de apoio à tomada de decisões e ao aprimoramento pessoal; escreveu livros, o mais recente deles sobre o impacto da evolução das máquinas e da inteligência artificial (em seu sentido amplo) na vida humana, hoje e nos anos que virão. Os novos desafios que abraçou ampliaram o alcance de suas ideias e ainda levaram o xadrez junto; por mais que quisesse, não há como dissociar sua imagem à do jogo.

Após tantos anos sem competir oficialmente, Kasparov aceitou o convite para participar da etapa rápida e blitz do Grand Chess Tour, que se encerrou ontem. Um ato de coragem, é necessário admitir, pois enfrentar a elite atual, com nomes como Aronian, Caruana, Karjakin e Nakamura, mete medo em qualquer jogador ativo, imagine num veterano aposentado há 12 anos!

“Mas esperem, o veterano em questão é Garry Kasparov!”

Sempre se espera muito dele, como antes foi esperado de outros mestres que se ausentaram das competições por longos períodos. O mais famoso deles, Bobby Fischer, abandonou quase que completamente o jogo no instante seguinte à conquista do título mundial em 1972 e, até sua morte em 2008, sua áurea de invencibilidade permaneceu incólume.

Talvez a história de Fischer ainda ronde a mente do velho Ogro, que era fã do norte americano, e por isso mesmo ele tenha aceitado o convite, colocado sua cara a tapas, como se diz, ou mais propriamente, colocando seu rei a mates!

Kasparov não passou vergonha, mostrou vontade de vencer, ideias e jogadas aguçadas, mas deixou o peso do tempo agir de forma irrevogável! Não o peso de seus 54 anos, ou da longa inatividade, mas o tempo do relógio, que é inexorável! Quando a seta cai, ou o mostrador começa a piscar, é o fim. Assim, apurado de tempo em quase todas as partidas, estragou posições vantajosas e defendeu-se mal noutras em que podia ter salvo o meio ponto.

O espetáculo, porém, foi garantido. Milhares de pessoas seguiram as transmissões online do evento, que era coisa rara quando Kasparov ainda era campeão do mundo. Então, ainda mais que as jogadas no tabuleiro, valeu para rever os trejeitos da lenda, suas famosas caretas, seu olhar intimidador. Por um momento, pareceu que ele nunca esteve ausente.

Quando aparecerá novamente? Quem sabe? O velho Ogro levantou-se afinal, recolocou o relógio no pulso, pegou seu paletó e seguiu pensando nos lances que fervilhavam na ainda poderosa mente. Não nos deixe esperando demais, Garry, os velhos e jovens aficionados precisam ver mais da intensa paixão que emana em cada gesto teu perante o tabuleiro. O resultado aqui é o que menos importa: em termos de xadrez, você não tem mais nada a nos provar!
 

(*) Cronista e enxadrista cearense, radicado em Macaé (RJ), Rewbenio Frota é editor do blog Lances quase inocentes e colaborador do blog Reino de Caíssa.

7 comentários:

  1. Que belo texto deste rapaz! É Garry, a vida nos prega peças. Quando Fisher voltou para reviver aquela final com Boris, Kasparov, no auge, fora um pouco rude ao afirmar que o xadrez de Fischer estava capenga e outras coisas mais. Sei que não disse por maldade, mas um campeão daquela estatura tem que ter cuidado com as palavras. Voltou Garry. e ao contrário do que fez com Bob, ninguém malfadou a sua volta. Vida que segue, sem Garry? Tenho certeza que sim. Abs. Zirpoli.

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  2. Mais um belo texto do nosso amigo Frota, e sobre um assunto que atraiu recentemente a atenção de toda a comunidade enxadristica mundial: o retorno de Kasparov, considerado por muitos o maior gênio do xadrez em todos os tempos, às competições. E não uma competição qualquer: uma competição contra a elite do xadrez mundial. Se parado todos esses anos ele ainda conseguiu dar trabalho aos superGMs, se voltar à ativa não tenho dúvidas de que poderá ser tornar um potencial candidato ao título máximo do xadrez. Embora, como o autor bem observou, Kasparov não tenha nada mais a nos provar, não custa sonhar e esperar pra ver se o retorno definitivo acontece.

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  3. Muito bom, Rewbenio. Você é o cara. Parabéns pelo texto.

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  4. Muito bom, Rewbenio. Você é o cara. Parabéns pelo texto.

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  5. Parabéns, Mestre Rewbenio! Lembrar Fischer, neste seu belo texto, me deixou emocionado!

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