Por
Rewbenio Frota
Muitas
histórias famosas da literatura e cinema seguem a famosa estrutura da ‘Jornada
do Herói’, segundo a qual o protagonista deixa seu mundo seguro e conhecido,
chamado a participar duma aventura irresistível, e segue um percurso cheio de
percalços e surpresas. Nesta jornada, encontra a figura dum mestre (de carne e
osso ou sobrenatural) que o treina, ensina-o a ter confiança em si e o prepara
para vencer um grande desafio iminente, que se revelará uma questão de vida ou
morte. Uma vez vencido o desafio, nosso herói retorna ao local de origem
aclamado, realizado, pleno de autoconfiança.
Esse
mito do herói veio-me à mente quando soube da espetacular vitória da GM Yifan
Hou no prestigioso Torneio de Biel, superando nomes como Pentala Harikrishma,
David Navara e Etienne Bacrot.
Não
parece haver relação clara, mas eu explico: não faz muito tempo, Yifan decidiu
sair de seu território seguro e conhecido, o xadrez feminino, e decidiu sofrer
as dificuldades que se impõem na luta por adentrar ao clube dos dez melhores do
mundo entre homens e mulheres, ser candidata ao título mundial absoluto e
ultrapassar a lendária Judit Polgar como a maior jogadora da história do
xadrez.
A
jornada do herói, mesmo na fase em que ele já encontrou seu mentor, não é livre
de reveses que tornam o caminho difícil e nada linear. No caso de Yifan, temos
o exemplo de seus desastrosos desempenho e postura no torneio de Gibraltar no
início do ano, quando, ávida por colecionar escalpos de grandes mestres do sexo
oposto, não ficou nada contente em enfrentar praticamente apenas suas velhas
adversárias do circuito feminino. Na última rodada, contra um grande mestre do
sexo masculino, ela entregou a partida de forma deselegante, por pouco não se
permitindo levar o ‘mate do louco’.
Ignoro
quem represente a figura do mestre da ex-campeã mundial feminina, mas este deve
ter usado de sábias máximas de Confúcio, de duros exercícios de análise dos
próprios erros, de transcendentais exercícios de tática avançada, além de focar
na difícil arte concentrar-se no tabuleiro e não em quem se encontra do outro
lado. Parece que tudo isso tem sido feito, pois agora, com essa nova dimensão
que tenta dar ao seu xadrez, ela começa a colher os frutos mais apetitosos.
Apesar
do doce triunfo, Biel certamente ainda não é o grande desafio “de vida ou
morte” ao qual Yifan pretende enfrentar-se em sua jornada. Basta lembrarmos
que, torneios como este, recheados de marmanjos da elite, Judit venceu vários
em sua carreira.
Sigo
torcendo que ela consiga revelar-se a heroína que pretende ser, e retornar
triunfante como exemplo a ser seguido por tantas outras jogadoras, atuais e
vindouras. Os ganhos para o xadrez seriam enormes. Um exemplo assim, como Judit
Polgar e suas irmãs antes de Yifan, pode alavancar a presença feminina em torneios
gerais. Assim, quem sabe, um dia não haverá mais sentido na separação entre
‘xadrez absoluto’ e ‘xadrez feminino’, que tem servido apenas para dividir os
praticantes dum esporte cujo lema internacional tem sido Gens una Sumus – somos
uma só família.
Parabéns ao Mestre Frota! Um artigo a altura do prestígio da chinesinha!
ResponderExcluirExcelente texto, que revela erudição em áreas distintas da história/teoria do xadrez. Parabéns ao autor e ao Blog por leva-lo ao conhecimento do público.
ResponderExcluirObrigado amigos, é uma honra poder contribuir aqui com os amigos do blog RC!
ResponderExcluirMais um texto primoroso, Rewbenio! E, desta vez, tem um toque mais que especial por reconhecer o trabalho dessa que tem se revelado uma verdadeira guerreira! Como você bem ilustrou, é realmente uma "jornada de herói" (heroína, no caso) vencer em um universo ainda dominado por homens.
ResponderExcluirKatiusha de Moraes
Rewbenio, continue com o xadrez na mente e uma caneta nas mãos!
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